Política

Bolsonarismo trava batalha nas redes para inflar tamanho de ato na Paulista

Antes, vale deixar claro, que o ato foi grande. Mas Bolsonaro precisava de algo histórico para vender a ideia de que toda a população brasileira está com ele e contra as instituições que o investigam – o que não é, nem de perto, verdade.

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Bolsonaro, como esperado, juntou dezenas de milhares de seguidores na avenida Paulista e conseguiu sua desejada fotografia de multidão para usar na batalha que trava contra a punição por sua tentativa de golpe de Estado. Mas enquanto o ato acontecia, bolsonaristas travavam outra batalha, nas redes, para vendê-lo como ainda maior do que realmente foi.

Um dos objetivos de Jair para o ato em defesa de si mesmo, neste domingo (25), foi o de produzir imagens a fim de serem usadas nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Ele deixou claro isso antes, nas convocações, e durante o seu discurso, quando afirmou que “a minha vinda aqui era para termos uma fotografia para o mundo”.

A estratégia, reciclada há tempos, parte de um fato concreto (o ex-presidente é uma pessoa popular capaz de atrair multidões) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros está com ele). O bolsonarismo-raiz, alinhado perfeitamente a ele, gira entre 15% e 20% da população, o que, repito, não é pouca gente – dá entre 30 e 40 milhões. Mas não é maioria.

A única estimativa com metodologia que veio a público até agora é a do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo, coordenado pelos professores Pablo Ortellado e Márcio Moretto, que produz há anos dados e análises sobre público de eventos políticos no país. Ela apontou 185 mil pessoas na manifestação às 15h, seu horário de pico.

A contagem de cabeças foi baseada em fotos aéreas de alta resolução que cobriram a extensão da avenida, tiradas entre 15h e 17h, e processadas com a ajuda de um software especial para esse fim. Ou seja, veio de ciência, não de achismo, de vozes da cabeça ou da necessidade política dos organizadores.

Para ajudar Bolsonaro, governo de SP divulgou 750 mil sem embasamento

O bolsonarista Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo, ao que tudo indica, deu um empurrãozinho fundamental a seu líder, operando o milagre da multiplicação do público.

O que é preocupante. Pois a pasta que faz a contabilidade das vítimas de ações policiais em São Paulo deveria ter mais cuidado com números.

Derrite, em sua conta no X/Twitter: “Não tivemos ocorrências relevantes, mesmo com um público de 750 mil pessoas na avenida e em todo o entorno”.

Mas, questionada pela imprensa, a Secretaria de Segurança Pública não informou qual a metodologia ou os critérios adotados para tal cálculo. Esse comportamento tem o mesmo DNA da contagem aloprada de 13 de março de 2016, naquele que foi o maior ato político da história da avenida Paulista, uma manifestação pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Naquele momento, a Secretaria de Segurança Pública estimou em 1,4 milhão quase o dobro do que estimou agora, número coincidentemente abraçado pelos organizadores. Quem cobriu o ato de 2016, viu a corporação divulgar atualizações sem critério algum, o que só não chocou mais porque parte da própria imprensa comprou isso de forma acrítica.

Já o Datafolha estimou o ato em 500 mil pessoas e divulgou a metodologia por trás da contagem. Naquele dia, ao contrário deste domingo, a totalidade da avenida estava tomada, bem como a alameda Santos e parte da rua da Consolação.

Mesmo assim, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro tentam vender este ato como um recorde de público. “Pelo que me chega nesse momento, hoje tivemos o maior ato político da história da Avenida Paulista. Mais de milhão de brasileiros”, postou Fabio Wajngarten, um dos advogados de Bolsonaro.

Já o levantamento científico foi criticado junto com a urna eletrônica

A contagem realizada pelo grupo de pesquisa da USP, por não contribuir com a estratégia bolsonarista, vem sendo alvo de ataques.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro postou: “A USP sabe contar tão bem quantas pessoas tem na rua, quanto a maquininha conta voto”. Aproveitou, dessa forma, para estocar as urnas eletrônicas, que foram alvo preferencial de seu pai na tentativa de descredibilizar as eleições.

A postagem foi o sinal para uma enxurrada de ataques ao levantamento, à instituição e aos pesquisadores.

Não é a primeira vez que o bolsonarismo ataca quem contesta os seus números de público.

Em 7 de setembro de 2022, quando as celebrações do Bicentenário da Independência foram sequestradas pelas necessidades eleitorais de Bolsonaro (quem diz isso é o próprio TSE que condenou o ex-presidente e seu vice, general Braga Netto), o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP também foi atacado ao divulgar que os atos reuniram 64,6 mil pessoas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e 32,7 mil, na avenida Paulista, em São Paulo, em suas máximas ocupações.

Naquele momento, como agora, Bolsonaro estava atrás de uma fotografia. E precisava ser incontestamente grande para mostrar que a maioria do povo estava a seu lado na eleição.

Vale lembrar que o bolsonarismo sempre atacou os institutos que medem a intenção de voto se aproveitando da falta de conhecimento de matemática por parte da população. Afirmam que enquetes realizadas dentro de grupos bolsonaristas, que não são representativas da população, têm mais valor que pesquisas feitas com o rigor científico.

Outro exemplo desse trabalho de inflar o apoio são as motociatas realizadas por Bolsonaro ao longo dos últimos anos, que ocupam um espaço muito grande de rodovia de forma rápida e com menos gente que seria necessário para preencher uma passeata ou um comício.

Em junho de 2021, o bolsonarismo, já em plena campanha pela reeleição, afirmou que 1,3 milhão de motos participaram de um ato com Bolsonaro no interior de São Paulo. Porém, as praças de pedágio da Rodovia dos Bandeirantes mostraram a passagem de 6.661 motos.

Ao final do dia, a manifestação serviu para reforçar algo que já era conhecido: que o Brasil tem uma extrema direita numerosa, apesar de Bolsonaro não poder dizer que ela é a maioria do país, como gostaria.

Por mais que as imagens e números estejam, inundando redes e aplicativos de mensagens, elas não são o bastante para chocar o Supremo Tribunal Federal, a atual gestão da Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal. Tampouco fortes o suficiente para fazer o Congresso Nacional aprovar uma anistia de golpistas que beneficie o próprio Jair, razão pelo qual ele pediu um projeto de lei nesse sentido para “aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília”.

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