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Pandemia


Vinte anos em apenas dois? Pandemia fez população envelhecer precocemente

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Se, para você, os últimos dois anos em pandemia pareceram ter durado duas décadas, pode ser que essa percepção aparentemente distorcida do tempo não seja totalmente sem razão. Talvez, essa sensação possa ser interpretada até mesmo um indicador de que o seu envelhecimento tenha se acelerado nesse período. As informações são do jornal O Tempo.

Esta é a hipótese descrita em um artigo publicado na revista científica “Nature” em janeiro deste ano. Segundo o estudo, há indícios de que, a partir de 2020, a população mundial esteja envelhecendo de maneira precoce e mais rapidamente. O principal argumento é que a exposição à Covid-19, uma doença infecciosa, ao estresse crônico e à solidão podem ter agravado as condições de saúde e encurtado a vida de algumas pessoas, quer elas tenham tido a doença ou não.

A pesquisadora Emily Sohn, autora do artigo, lembra que cientistas já constataram que o envelhecimento biológico e neurológico, embora seja um fenômeno universal, contínuo e irreversível, é também heterogêneo. Isto é, cada indivíduo atravessa esse processo à sua maneira, de forma que o envelhecer não pode ser resumido à passagem do tempo. Pessoas mais resilientes a eventos adversos e a ambientes estressores, por exemplo, tendem a preservar traços da juventude por mais tempo.

A estudiosa acrescenta que fatores genéticos influenciam a velocidade com que os indivíduos envelhecem, mas ela lembra que hábitos de vida e o histórico de saúde também podem impactar a idade epigenética – que é calculada com base em um algoritmo que mede 71 marcadores de metilação do DNA no sangue.

“O que ela está dizendo é que, do ponto de vista neurológico, um forte marcador para o Alzheimer será um fator para o envelhecimento. Mas uma pessoa que tenha uma rotina intelectual e fisicamente ativa pode atrasar a manifestação da demência em uma década em comparação a outra que leva uma vida sedentária e com pouca estimulação intelectual ou em comparação a uma terceira que tenha sofrido algum tipo de trauma cerebral, mesmo que as três carreguem a mesma herança genética”, pontua o geriatra Marco Túlio Cintra, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

No artigo, Emily pontua que a infecção pela Covid-19 – uma doença que se descobriu sistêmica, afetando diversos órgãos e regiões do corpo – pode gerar, em alguns casos, inflamação crônica e consequente aceleração do processo de envelhecimento. Ela argumenta que os idosos, sobretudo aqueles com comorbidades, são mais propensos a experimentar respostas inflamatórias descontroladas e sintomas graves e têm maior risco de morte em caso de contração do coronavírus. Uma explicação para esse fenômeno está ligada à propensão desse grupo a ter altos níveis de marcadores inflamatórios no sangue, ampliando as chances de problemas que se tornam mais comuns com a idade, como complicações cardiovasculares, renais e neurológicas.

A autora do estudo lembra que o fenômeno pode afetar pessoas de todas as idades. Na avaliação dela, quando a reação inflamatória ao vírus é alta, o sistema imunológico pode ficar enfraquecido. Em longo prazo, esse comprometimento deixaria as pessoas mais vulneráveis aos efeitos do envelhecimento. “Além disso, quando em fase aguda, a Covid-19 pode romper as barreiras encefálicas e chegar ao cérebro, provocando distúrbios cognitivos de forma prolongada e, no caso de haver predisposição genética, favorecendo a manifestação de doenças neurológicas”, explica Cintra.

Estresse crônico. Mesmo pessoas que não tiveram Covid-19 podem sofrer com um processo mais acelerado de envelhecimento biológico. Afinal, toda a população ficou, por longo período, exposta a situações estressoras. Há o medo do adoecimento e da morte, as perdas de pessoas próximas, o receio de crises financeiras e do desemprego, além de incertezas de toda ordem. Um cenário que, para alguns, pode ter acarretado quadros de estresse crônico, uma condição que tem sido associada ao risco de doenças cardíacas, diabetes e câncer, entre outras complicações de saúde.

No artigo publicado na “Nature”, Emily Sohn lembra pesquisas que indicam que, ao longo do tempo, o cortisol, que é o hormônio do estresse, afeta os telômeros, estruturas cuja principal função é impedir o desgaste do material genético. Com isso, o corpo passa a ter mais dificuldades para reparar danos. Assim, pessoas estressadas cronicamente são mais vulneráveis a uma extensa variedade de enfermidades.

Solidão. Além disso, o isolamento social – que foi uma estratégia importante e decisiva no enfrentamento da pandemia, principalmente no primeiro momento do surto, quando pouco se sabia sobre a Covid-19 e quando não existiam protocolos de tratamento médico ou vacinas contra o vírus – também pode ter potencializado e acelerado o processo de envelhecimento de alguns indivíduos. Vale registrar que a solidão aumenta significativamente o risco de desenvolvimento de demência e a ocorrência de acidente vascular cerebral, além de ser fator para obesidade, depressão, cardiopatias, hipertensão arterial e declínio cognitivo.

Mais uma vez, o fenômeno é mais perceptível na população idosa. “A interação social e a prática de atividade física, que são fatores para um envelhecer mais saudável, foram impactadas pelas necessárias medidas restritivas. Com isso, idosos que eram ativos e não sofriam complicações de saúde passaram a ter diversos problemas, como as variações de humor, a perda de massa muscular e a alteração do padrão de marcha. Essa realidade, sem dúvida, mudou a história de envelhecimento dessas pessoas e acelerou esse processo”, comenta Marco Túlio Cintra, vice-presidente da SBGG.

Reabilitação. O especialista alerta que, em alguns casos, o envelhecimento precoce pode ter atingido um ponto de não retorno. “Pode ter acelerado, por exemplo, o desenvolvimento do Alzheimer ou gerado perda muscular irreversível. Nesses casos, não é possível uma reabilitação completa. Mas, com o tratamento adequado, podemos tentar desacelerar esses processos e retardar a deterioração física e mental”, descreve. Ele pondera que, em outros casos, esse ponto de não retorno pode não ter sido atingido. “Há situações em que, a partir da adoção de algumas medidas, pode haver recuperação cognitiva”, salienta.

Cuidados. Para desacelerar o envelhecimento biológico, Cintra destaca uma série de cuidados, a serem tomados desde a infância. “Basta lembrar que a escolaridade aparece como um fator de proteção contra demências”, cita. A prática de atividades físicas, a adoção de dietas balanceadas e a manutenção de uma rotina adequada de sono também trazem benefícios em longo prazo. Na medida do possível, é também importante a retomada de atividades sociais, que favorecem o bem-estar e a saúde como um todo. “Para que tudo isso aconteça com segurança, é importante lembrar sempre que a vacinação é fundamental e que medidas sanitárias, como higienizar as mãos e usar máscara, são bem-vindas”, pontua o geriatra.

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