Assédio sexual
Vinte anos após “lei do assédio”, Brasil registra cerca de 7 processos por dia
Mais de 26 mil pessoas entraram na Justiça por assédio sexual no ambiente de trabalho entre janeiro de 2015 e janeiro de 2021, de acordo com dados compilados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pedido de Universa. Em 2020, a média foi de 204 processos abertos por mês; quase sete por dia.
Neste sábado (15), completam-se vinte anos desde que o termo assédio sexual passou a constar no Código Penal. Desde então, é crime “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual” usando condição de superioridade, com pena prevista de um a dois anos de detenção.
Apesar de a penalidade ter sido estabelecida há duas décadas, uma pesquisa divulgada no ano passado pelo LinkedIn e pela consultoria de inovação social Think Eva mostra que 47% das brasileiras já foram vítimas dessa violência no ambiente de trabalho.
Para Isabela Del Monde, advogada especialista em direitos da mulher, coordenadora do #MeTooBrasil e colunista de Universa, a Lei 10.224/2001 “é importante, mas não é eficiente”
“A lei reconhece que o assédio sexual existe e coloca o termo em debate, o que é positivo. Mas não é eficiente para redução de casos ou para a responsabilização dos agressores, porque é um tipo de crime que depende da manifestação da vítima. E não é novidade que essa vítima, muitas vezes, se sente culpada pelo assédio.”
“Além disso, só oferece como opção para a vítima a condenação do agressor na esfera penal. Isso é desconfortável para a vítima porque, muitas vezes, ela não só depende do emprego como conhece a família do chefe, os amigos, os filhos, e não quer que ele enfrente um processo penal ou que seja preso.”
Mulheres negras e pobres são as mais assediadas
Dados do TST mostram que as áreas com maior número de ações judiciais por assédio sexual desde 2015 são comércio, serviços gerais e indústria, com média de 930, 774 e 620 processos abertos por ano até o início de 2021, respectivamente.
A ministra do TST Kátia Magalhães Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil, disse a Universa que mais de 90% destas ações são movidas por mulheres e que elas relatam os mais diversos episódios, desde comentários de cunho sexual, piadas, insinuações, convites para sair, toques inapropriados, tentativas de beijo e até tentativas de estupro.
Dentre as trabalhadoras que afirmaram já terem sofrido com assédio sexual no trabalho, as mais afetadas são as negras (52%) e as que recebem até dois salários mínimos (49%), de acordo com o levantamento divulgado pelo LinkedIn e pelo Think Eva. Apenas 8% das vítimas disseram ter rendimento maior que seis salários mínimos.
Para Del Monde, é justamente a dependência do emprego e a vulnerabilidade social que colocam essas mulheres em posição de maior risco: “Muitas vezes, elas são a única fonte de renda da família e têm pouco poder de escolha em relação à própria vida profissional. Quem abusa sabe disso e se aproveita desta vulnerabilidade”, afirma a advogada.
Movimentos feministas e crise econômica impactaram denúncias O número de ações trabalhistas por assédio sexual vem caindo desde 2015, mostram os dados do TST — naquele ano, o órgão registrou 7.634 ações, em 2020 foram apenas 2.448, uma queda de 68%.
“Com campanhas de mobilização contra o assédio surgindo em meados de 2015, o número de denúncias e de ações abertas foi alto entre 2015 e 2016. Como consciência desta maior conscientização, é possível que as práticas tenham diminuído nos anos seguintes”, explica a ministra do TST, Kátia Magalhães Arruda.
A advogada Isabela Del Monde concorda e diz que, apesar de a lei ter sido sancionada anos antes, foi só graças aos movimentos feministas, que ganharam força nos últimos anos, que as brasileiras passaram a discutir de fato o assédio sexual:
“O ano de 2015 foi o pico da discussão: a palavra assédio apareceu com muita força a partir de campanhas como ?Meu Primeiro Assédio’ [que encorajou mulheres a descrever nas redes sociais suas primeiras lembranças desta violência]. Em 2001, a lei colocou o termo na discussão jurídica, mas quem puxou o debate na sociedade foram as feministas.”
Del Monde, no entanto, não acredita que o número de assédios tenha diminuído, mas apenas o número de denúncias, especialmente por conta da crise econômica que cresceu a partir de 2016: “O Brasil está em crise política, econômica e social desde o impeachment [de Dilma Rouseff] e as pessoas estão acuadas, com mais medo de perder o emprego e a renda. Por isso, é natural que caia o número de denúncias.”
Lei ignora casos em que agressor não é o chefe
Del Monde comenta ainda que, ao estabelecer que assédio sexual no trabalho é considerado crime apenas se o agressor estiver em um cargo superior ao da vítima, o texto desconsidera casos de mulheres assediadas por seus pares e até subordinados — o que, segundo ela, não é tão raro.
“A lei reconhece que o assédio é um exercício de poder e de força, mas nem sempre o poder é hierárquico. Pode ser de força física, de raça, de classe social”, observa. “Mulheres que foram assediadas por pares e por subordinados não têm como recorrer a esta lei. O que nós advogados fazemos é tentar enquadrar esses episódios como importunação sexual.
Isabela Del Monde comenta que, de alguns anos para cá, a lei do Assédio Sexual, de 2001, tem sido usada em alguns casos de assédio sexual em ambientes que não são o meio profissional.
Usando o trecho que destaca “condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, há casos em que foi tipificado como assédio sexual episódios de abusos cometidos por professores contra alunas, médicos contra pacientes e até lideranças religiosas e espirituais contra fiéis.
Fonte: por Mariana Gonzalez/Universa Uol
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