Conecte-se Conosco

Justiça

Tragédia em Mariana: novo acordo não sai, e governo mineiro deixa mesa

Publicado

em

A secretária de planejamento e gestão do governo de Minas Gerais, Luísa Barreto, usou palavras duras para se referir ao comportamento da mineradora Samarco e de suas acionistas Vale e BHP Billiton após terminar sem consenso mais uma reunião sobre a repactuação do processo reparatório da tragédia ocorrida em Mariana (MG). Segundo ela, os valores e os prazos de pagamento estão distantes da expectativa e o estado deverá caminhar para a judicialização de novas demandas. Barreto disse que não há mais ambiente para seguir na mesa de negociação. As informações são da Agência Brasil.

“Por ora, as negociações estão encerradas. A não ser que haja uma mudança de posicionamento forte por parte das empresas. A reunião hoje foi muito decepcionante. A gente vem há mais de um ano discutindo repactuação com um objetivo claro: trazer uma reparação justa, célere e efetiva para os atingidos e para toda a região que foi atingida. E o que as empresas apresentaram é um absoluto desrespeito”, disse.

Segundo a secretária, as mineradoras ofereceram entre 60% e 70% do valor esperado e a proposta não contempla a atual geração. “Para além da questão financeira, temos também uma inadequação do prazo de pagamento. Querem um prazo bastante alongado que não permitiria que quem viveu esse desastre visse essa reparação acontecer”, acrescentou.

A reunião de hoje (24) aconteceu em Brasília. Participaram do encontro representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, do Ministério Público Federal (MPF), dos Ministérios Públicos de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), além de diretores da mineradora Samarco e das suas acionistas Vale e BHP Billiton. Uma outra reunião já havia sido realizada com o mesmo intuito na sexta-feira (19), dessa vez em Belo Horizonte. As instituições participantes, os governos e as empresas não divulgam em detalhes o conteúdo discutido.

Após o encontro de hoje, a Vale divulgou uma nota sem nenhuma revelação nova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório. A negociação segue em andamento. A Vale, como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem”, diz o texto. A Samarco se posicionou na mesma linha, afirmando estar comprometida com as comunidades atingidas e se dizendo aberta ao diálogo junto às autoridades competentes.  A BHP Billiton informou continuar dedicada às ações de reparação em curso e permanece disponível para discutir soluções definitivas.

As negociações se dão no âmbito de uma mediação conduzida pelo CNJ e voltada para a repactuação de todos os esforços de reparação. A falta de transparência nas tratativas, no entanto, têm incomodado entidades ligadas aos atingidos da tragédia. Críticas foram expostas na última segunda-feira (21), durante uma audiência pública convocada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir a questão. “O pessoal confunde falar com participar. Participar é sentar na mesa, discutir a pauta, levando os problemas da nossa comunidade e da bacia do Rio Doce”, disse Simone Maria da Silva, integrante da comissão de atingidos da cidade de Barra Longa (MG).

Para Joceli Andrioli, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o que está sendo construído é mais um acordo de cúpula que não resolverá os principais problemas. “Infelizmente pouco se aprendeu do ponto de vista institucional em todos esses anos. Nós não nos calaremos até alcançar de fato o Rio Doce vivo, uma Justiça concreta e uma reparação concreta aos atingidos”, afirmou. Também marcaram presença na discussão representantes da comunidade indígena Uchô Betlháro Purí, da comissão de atingidos de Governador Valadares (MG) e da Cáritas, entidade que presta assessoria técnica às vítimas que moram em Mariana (MG).

Relembre o caso

Em pouco mais de dois meses, a tragédia completará sete anos. Em 5 de novembro de 2015, a ruptura da barragem da Samarco liberou uma avalanche de rejeitos que alcançou o Rio Doce e escoou até a foz, causando diversos impactos socioambientais e socioeconômicos em cidades mineiras e capixabas, além de 19 mortes. A gestão de todas as ações de reparação ficaram a cargo da Fundação Renova, entidade que é mantida com recursos da Samarco e de suas acionistas Vale e BHP Billiton. Ela foi criada em 2016, atendendo a termo de transação e ajustamento de conduta (TTAC) firmado entre as três mineradoras, o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

A atuação da Fundação Renova, no entanto, é bastante criticada por comissões de atingidos e por instituições de Justiça que não participaram do acordo. O MPF moveu após a tragédia uma ação civil pública estimando os prejuízos em R$ 155 bilhões. Mais recentemente, o MPMG chegou a pedir judicialmente a extinção da Fundação Renova, alegando que a entidade não goza da devida autonomia frentes às mineradoras. A morosidade de alguns programas também motivou questionamentos judiciais: a reconstrução das duas comunidades destruídas em Mariana, por exemplo, até hoje não foi concluída.

A falta de pagamento das indenizações também deu origem a processos movidos não apenas pelo MPMG mas também por diversos atingidos. Em 2020, respaldado por decisão judicial, foi implantado o Sistema Novel que, segundo a Fundação Renova, destravou o processo indenizatório. Dados da entidade atualizados até junho desse ano apontam que os novos procedimentos levaram ao pagamento de R$ 7,09 bilhões para 66,6 mil pessoas, representando 78,2% de todas as indenizações pagadas desde o rompimento da barragem. Mas o MPMG questiona valores e exigências feitas aos atingidos, tendo conseguido recentemente uma decisão favorável que revê regras do Sistema Novel na cidade de Naque (MG).

Processos judiciais

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitam no país cerca de 85 mil processos judiciais relacionadas à tragédia. O trabalho de mediação teve início com intuito de buscar uma solução para esse quadro.

Desde o início das conversas, o MPF e o MPMG defenderam que um novo termo para a reparação fosse assinado com as mineradoras estabelecendo outro modelo de governança, similar ao do acordo da tragédia em Brumadinho (MG), no qual 270 pessoas perderam a vida após o rompimento de uma barragem da Vale em 2019 atingir a bacia do Rio Paraopeba: foi previsto o aporte de R$37,68 bilhões sem o envolvimento de uma entidade nos moldes da Fundação Renova. Esse valor, no entanto, não abarca as indenizações individuais, tratadas separadamente.

Valores

A Fundação Renova não é parte das negociações conduzidas pelo CNJ. A entidade afirma em nota que a reparação se encontra em um momento de avanços consistentes. O texto cita medidas como a implantação da restauração florestar em áreas onde houve depósito de rejeitos e os investimentos em educação, infraestrutura e saúde nos municípios atingidos. A entidade também afirma que trabalha para que, em dezembro desse ano, as primeiras famílias possam se mudar para o novo distrito de Bento Rodrigues, uma das comunidades que está sendo reconstruída.

Segundo a Fundação Renova, as medidas de reparação da tragédia em Mariana já consumiram R$ 23,06 bilhões segundo os dados atualizados até junho. Deste total, R$ 9,15 bilhões se referem a indenizações individuais. O MPF defende que o valor de referência da repactuação seja os R$ 155 bilhões calculados na ação que moveu após a tragédia, posição também encampada pelo MPMG e pelo governo mineiro. Eles levam em conta que, embora tenha se registrado menos mortes, a extensão dos danos socioeconômicos e socioambientais na bacia do Rio Doce é bem superior ao ocorrido na bacia do Rio Paraopeba.

Em julho do ano passado, quando anunciou a implantação do processo de mediação, o CNJ assegurou que os atingidos seriam ouvidos. Nesta sexta-feira (26), uma audiência pública está prevista para acontecer no município de Baixo Guandu (ES). Anteriormente, três audiências públicas foram realizadas em formato virtual. Participantes se queixaram de diversos problemas como a contaminação da água, a ineficiência dos programas de reparação e a falta de assessorias técnicas, direito que foi conquistado judicialmente mas que não foi efetivado em muitos municípios. Muitos deles celebraram a possibilidade de opinarem pela primeira vez, mas também pontuaram que esperavam uma real participação nos rumos da reparação.

“O atingido e a atingida precisam estar na mesa de negociação. Precisa ter poder de decisão junto aos órgãos competentes que já estão na mesa”, disse Rômulo Araújo, morador de São Mateus (ES), durante uma audiência em novembro do ano passado. Passados dez meses, a audiência realizada nesta semana pela ALMG revela que essa continua sendo uma reivindicação dos atingidos. Joceli lamenta a falta de transparência e a forma como as informações chegam aos atingidos.

“É um dos maiores crimes ambientais do mundo. Estamos falando de uma precificação de um crime que é quatro ou cinco vezes maior que o de Brumadinho. Já escutamos cifras de R$ 80 bilhões. Agora escutamos falar em R$ 43 bilhões. Quem está fazendo essa conta? Até hoje os atingidos estão sem assessoria técnica e não é por acaso. É para que o povo não tenha informações”, critica Joceli.

Publicidade
Publicidade

Política

Publicidade