O Senado aprovou na última quarta-feira (31) uma medida provisória que visa flexibilizar o regime de trabalho de pais e mães com filhos de até seis anos, além de oferecer reembolso para gastos com creche e babá. E essa foi justamente apontada como uma questão polêmica do programa Emprega + Mulheres e Jovens: caso a empresa com mais de 30 funcionários ofereça auxílio para pagamento de creche, ela é desobrigada a ter um espaço nas suas dependências para a lactante e seus bebês, o que hoje é garantido por lei. A proposta segue direto para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL). Fonte O Tempo.
Senadores contrários a esse ponto específico criticaram e tentaram excluí-lo do texto. A senadora Zenaide Maia (PROS-RN), que é médica, argumentou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a criança seja amamentada até o sexto mês. “Como a licença-maternidade só é de quatro meses, fica essa vacância desse espaço entre o quarto e o sexto mês”, ela afirmou.
À reportagem, a pediatra Racire Sampaio Silva, membro do Departamento Científico de Aleitamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) reforça essa importância de se manter a amamentação exclusiva por 180 dias, e por isso decreta: nada tem a ver dar auxílio ou reembolsar creche com ter ou não espaço para a lactante.
“Se o local onde a mulher trabalha for longe da sua moradia, ela vai colocar o bebê na creche próximo a sua residência e não terá tempo de manter o aleitamento, então pagar creche não é suficiente para manter a amamentação. Seria necessário mesmo que fosse garantido um local para que a mulher pudesse amamentar.”
“Uma medida dessa não olha para a mãe”
Doutora em Direito, a coordenadora de Advocacy Luiza Correia, 35, conta que passou por constrangimento quando teve seu filho, há quatro anos.
Ela voltou da licença-maternidade quatro meses após dar à luz, e para seguir com a amamentação exclusiva precisava ordenhar no trabalho. O problema, ela conta, é que os banheiros eram individuais, não tinha um banco para sentar de forma confortável e a tomada ficava do lado de fora.
“Pensa na cena: eu tinha que colocar a bombinha (que retira o leite) na tomada do lado de fora, sentar na privada e ordenhar meu leite duas ou três vezes por dia. Qualquer pessoa que chegasse lá poderia me ver, e eu fiz isso até os 11 meses do meu filho, ou seja, por quase um ano”.
A empresa não possuía geladeira. Luiza então comprou uma pequena, com entrada USB, para deixar na mesa. Ela também tinha que lavar seu material na pia e deixá-lo secando em cima da sua mesa, que era coletiva.
“Era um constrangimento, fora todos os outros assédios que sofri, e que me levaram à depressão. E eu não podia deixar de fazer a ordenha porque se a gente não faz pode ter uma mastite (inflamação aguda dos tecidos da mama).”
Luiza disse que levou sua questão para a empresa, que prometeu oferecer uma sala de amamentação, mas ela pediu demissão antes de ver se a promessa foi cumprida.
“Fiquei um tempo desempregada e hoje consigo ficar de home office. Mas na minha opinião, eu acho que é uma iniciativa que não pensa verdadeiramente nas mulheres, mas sim na economia que isso vai gerar para as empresas.”
“Parece feminista, mas não é”
Mãe de dois, a consultora em amamentação, bióloga, e doutora em Ciências Cristina Bertoni Machado, do Plantão Materno, avalia essa medida trará grandes problemas uma vez que, na avaliação dela, a mãe não terá auxílio suficiente para pagar uma boa creche -e se tiver o país tem um déficit grande de vagas- nem garantirá a amamentação exclusiva até o sexto mês, o que aumenta o risco de doenças leves e ainda retiram os pais do dia de trabalho.
“Parece uma ideia feminista mas uma medida como essa segue colocando as mães num lugar de problema para a sociedade, e fala para os empregadores que mulheres e mães trazem prejuízos”, ela afirma.
“Esse projeto disfarçado de pauta feminista é mais uma jogada do governo atual para aparecer empático às mulheres, mas é um retrocesso no direito de mulheres e crianças aqui no país.
(Luiza Souto / Folhapress)