Pandemia

Qual o risco da quarta onda de covid na Europa chegar ao Brasil?

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A alta de casos que forma a quarta onda de covid-19 na Europa, somada à descoberta de uma nova variante do vírus na África do Sul, tem levantado dúvidas sobre o futuro da situação brasileira na pandemia. As informações são do Estadão.

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão afirmam que é difícil prever os rumos da pandemia no País, mas não descartam o risco de uma nova alta nos registros, sobretudo diante do relaxamento de medidas de proteção, como distanciamento social e uso de máscaras. Com o avanço da vacinação, porém, a expectativa é de haver menos internações e mortes.

Considerada potencialmente mais transmissível, a variante B.1.1.529, nomeada Omicron, foi descoberta na África do Sul e já foi detectada em países como Israel e Bélgica. Em ambos, mesmo a vacinação avançada não tem sido suficiente até aqui para frear o aumento de casos. Esse é um dos indícios observados na Europa que preocupa o Brasil. Os efeitos são similares aos de quando surgiu a variante Delta, que acabou não resultando no recrudescimento da pandemia no País, por mais que tenha se tornado predominante. Com a B.1.1.529, ainda não se sabe o que ocorrerá.

Sob temor de piora na pandemia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou nesta sexta-feira, 26, que o governo federal limite a entrada de estrangeiros no País. A orientação do órgão acontece mesmo com a vacinação completa superando 61,7% da população total do País.

Atual patamar de vacinação por si só não barra a totalidade dos casos

Para a epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, Denise Garrett, ainda que seja a principal ferramenta de controle da pandemia, a vacinação não pode ser vista como a única forma de conter novas ondas da pandemia. “A nossa vacinação não segura o aumento no número de casos, sem contar que são milhões de pessoas que ainda não se vacinaram. Se fosse uma variante inicial, que uma pessoa transmite para duas, a vacinação conseguiria barrar. Uma variante como as que surgiram, que transmitem para cinco a nove pessoas, não dá para barrar”, alerta Garrett, reforçando a importância de convocar a população para segunda dose.

Como exemplo, a epidemiologista cita Cingapura, que, com mais de 90% da população com esquema vacinal completo contra covid, viu um aumento recente no número de casos. O mesmo aconteceu com países como a Alemanha, que atingiu 100 mil mortes pela doença e teve recorde diários de casos. O coronavírus, explica Garrett, parece não ser sazonal como outras doenças, mas responde a uma soma de fatores — o que também inclui o comportamento das pessoas e as medidas de segurança adotadas pelos países.

Por conta disso, a epidemiologista destaca que é difícil prever o que irá acontecer no País, mas reforça que é preciso ligar o alerta para o que se passa em outros continentes, uma vez que os efeitos costumam ser sentidos por aqui meses depois. Ela ainda complementa que avançar a vacinação com duas doses e adotar outras medidas, ainda que menos agressivas na comparação com o início da pandemia, são aspectos importantes para o Brasil evitar o aumento de infecções.

“Tem de focar nas medidas não farmacológicas que a gente sabe que funcionam: usar máscaras e evitar aglomerações”, diz Garrett. “Sei que a população está cansada, que a pandemia está durando muito tempo. Mas os gestores públicos têm que manter a obrigatoriedade do uso da máscara nos ambientes fechados. Flexibiliza no que é seguro. Transmissão em ambiente aberto é menos do que 1%. Quer flexibilizar em ambiente aberto? Tudo bem, mas a obrigatoriedade da máscara em ambiente fechado é a última coisa que tem de acabar.”

Padrão europeu costuma antecipar realidade brasileira

Diretor da Fiocruz SP, Rodrigo Stabeli reforça que é importante olhar o que está acontecendo especialmente na Europa porque normalmente o que ocorre por lá tem ditado o ritmo da pandemia no País. Desse modo, ele enxerga que é “natural” que o Brasil passe por uma terceira onda, principalmente por conta da globalização e das medidas de flexibilização que estão acontecendo no País. A principal diferença é o desfecho dos casos, que pode ser mais positivo com o avanço da vacinação e a manutenção da campanha com doses adicionais.

“Em países com a população mais vacinada, como Portugal, Inglaterra e Alemanha, já se vê uma nova onda caracterizada de síndromes leves. A gente vê ainda baixos índices de hospitalização e mortes”, explica Stabeli. “Quando olhamos para Rússia, Áustria e países que têm dificuldade na vacinação, vemos uma onda já caracterizada com alto índice de hospitalização e óbitos.”

Segundo o diretor da Fiocruz, o Brasil “sempre teve alta transmissão”. Porém, com a imunização, passou-se a ter também baixos índices de hospitalização e de mortes.

Sobre a cepa descoberta na África do Sul, Stabeli complementa que é importante ficar atento não só a ela, como a novas variantes, que potencialmente podem acabar surgindo.

“A gente tem um trabalho importantíssimo feito pela vacinação, só que nós estamos falando de um vírus que utiliza a maquinaria humana para sua reprodução. Então, é um vírus que se adapta muito bem ao ser humano, que é o seu vetor”, explica.

Segundo Stabeli, é importante avançar na vacinação e em medidas que fazem com que o vírus não se alastre, como uso de máscaras especialmente em ambientes fechados. “Essas medidas são importantes para a gente não promover novas mutações, que podem escapar da vacinação, o que faria, aí sim, a gente voltar a ter ondas de hospitalizações e mortes, e perder todo o trabalho que foi feito até agora”, explica.

Estagnação da cobertura vacinal e flexibilizações em excesso podem explicar realidade europeia

Segundo o cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, o que tem se observado na Europa é uma soma de estagnação da cobertura vacinal e de flexibilizações em excesso.

“É aquela história do cabo de guerra: de um lado a vacina está puxando para tentar reduzir a transmissão e de outro lado o vírus está puxando para tentar contaminar as pessoas. Quando há estagnação da cobertura vacinal e flexibilizações, a gente começa a ajudar o vírus nesse cabo de guerra”, explica Schrarstzhaupt. Como forma de tentar contornar essa estagnação, a Áustria determinou na última semana vacinação obrigatória contra a covid-19 para toda a sua população adulta.

A medida inédita anunciada pela Áustria, que já havia determinado restrições aos não vacinados, foi tida como um grave alerta sobre a chegada da quarta onda do vírus na Europa, considerado o atual epicentro da pandemia.

O cenário de alta no continente europeu, conforme Schrarstzhaupt, começa a ser sentido no Brasil com indícios de estagnação da queda de casos em alguns Estados. Ou seja, os indicadores, que estavam em declínio há semanas, vão deixando de cair. Ainda assim, o cientista de dados reforça que esse movimento é tímido e que a situação atual é de incerteza.

“Não se pode dizer se vai ocorrer (uma nova onda) mesmo, qual o tamanho desse aumento. Que a gente use o princípio da precaução: se tenho incerteza ali na frente e eu não sei se pode piorar, mas tem chance, é melhor eu tratar como se fosse piorar. Caso não piore, eu não perco muito. Se fizer o contrário, e acontece uma coisa ruim, sou pego tão despreparado que o problema é muito sério”, pondera.

Ele reforça ainda não ser possível falar sobre sazonalidade do coronavírus porque a doença depende, em grande parte, do comportamento humano. “A gente percebe que ela tem picos totalmente aleatórios, basta olhar a curva da covid-19 no Brasil”, explica.

Por outro lado, comportamentos de final de ano, por exemplo, ou relaxamentos associados a épocas festivas, podem gerar efeitos diretos no aumento do número. Isso explicaria, em partes, a alta de diagnósticos positivos nesta mesma época no ano passado e o sinal de alerta em relação às próximas semanas, justamente quando medidas de flexibilização estão sendo aumentadas.

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