Saúde
Proibição de uso de anabolizantes para fins estéticos pode incentivar o tráfico de drogas
A prescrição deve ser feita apenas em casos de deficiência hormonal comprovada; profissionais contrários à medida acreditam que pode favorecer a venda ilegal dos produtos
Desde segunda-feira (11), médicos brasileiros estão proibidos de receitar esteroides androgênicos e anabolizantes por finalidade estética, ganho de massa muscular ou melhora do desempenho esportivo. Também estão vetados cursos, eventos e qualquer tipo de publicidade que estimule o uso dos hormônios para esses fins. A regra passou a valer após uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que autoriza a prescrição apenas em casos de deficiência hormonal comprovada.
A decisão veio após pressões de sociedades médicas que, em uma carta conjunta ao CFM, publicada em 27 de março, defenderam a regulamentação desse tipo de tratamento com base em evidências científicas. O texto, assinado por seis entidades, argumenta que, em meio à difusão dessas terapias na internet, é importante destacar os riscos por trás delas.
“O consumo de hormônios para fins estéticos têm crescido e se popularizado nas redes sociais. Mas não há estudos randomizados suficientes que atestem a segurança disso, nem mediante acompanhamento médico”, diz a endocrinologista Maria Augusta Kara Zellas, professora da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (Fempar).
Complicações cardíacas estão entre os riscos do uso, pontua o cardiologista Gustavo Lenci Marques, do Hospital Marcelino Champagnat, de Curitiba. Acúmulo de gordura nos vasos sanguíneos, hipertrofia do coração, hipertensão arterial, infarto e trombose são alguns dos problemas possíveis.
O paciente também corre risco de insuficiência hepática, disfunção erétil, diminuição da libido e até transtornos mentais, como depressão. “Como a maioria dos usuários é jovem, os danos de um tratamento assim a longo prazo são especialmente preocupantes”, complementa Zellas.
A médica Andressa Heimbecher Soares, doutora em Endocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP), indica que nos casos de reposição hormonal há um equilíbrio a ser promovido. Já quando o medicamento é usado em pessoas saudáveis, o contrário pode acontecer e os riscos superam os ganhos.
“Homens e mulheres têm valores de referência para a quantidade de testosterona no organismo. Mas já vi casos graves de gente com um índice muito maior que a média considerada saudável por conta do uso de hormônios”, afirma a endocrinologista.
Opiniões divergentes
Mas a proibição não é um consenso entre profissionais. O médico Lucas Caseri, doutorando pelo programa de Saúde Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), encara a resolução do CFM como uma medida emergencial e pouco efetiva. Segundo o pesquisador, boa parte do mercado de esteroides anabolizantes funciona de forma paralela e proibir que médicos prescrevam a medicação tende a aumentar ainda mais essa rede ilegal.
“Não sou a favor do uso, mas quem toma anabolizante e não tem mais o acompanhamento de um médico vai acabar recorrendo a coachs e profissionais pouco qualificados que estão aos montes na internet. Além disso, tenderá a consumir produtos falsificados de modo ainda mais arriscado”, justifica o médico.
Um estudo publicado em 2018 na Revista Brasileira de Ciências do Esporte mostrou que 63% dos usuários tinham acesso aos produtos por meio de amigos. A pesquisa associou o dado à oferta em larga escala do mercado ilícito. Em março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apreendeu lotes falsos de anabolizantes, trazendo à tona o debate sobre as falsificações.
Outro ponto levantado por Caseri diz respeito à hormonização de homens transexuais, que não entra na proibição. “Por que uma pessoa sem desequilíbrio hormonal não pode tomar o remédio porque faz mal, mas uma pessoa trans pode? Isso mostra o quanto a regra é parcial e deveria ser revista”, questiona.
A médica Andressa Soares, por outro lado, argumenta que o caso de pessoas trans é específico e envolve uma equipe multidisciplinar integrada por ginecologista, urologista, psicólogo e outros especialistas, a fim de reduzir ao máximo qualquer dano. “É um processo complexo, que demanda um acompanhamento minucioso, além de um termo de consentimento. Então, não dá para comparar”, diz.
A especialista considera importante a decisão do conselho pelo alerta que a medida traz. “É necessário mudar a ideia de que está tudo bem prescrever e consumir esse tipo de produto para fins estéticos. A resolução mexe nessa mentalidade”, diz. (LIVIA INÁCIO/FOLHAPRESS)