Social
Número de adoções em 2023 já superou o do ano passado
O juiz Iberê Dias, da Vara da Infância, atribui o aumento ao fim da pandemia
O número de adoções realizadas em Campinas até julho deste ano já ultrapassou o total registrado durante o ano passado. De acordo com dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça (TJ) e solicitados pelo Correio Popular, foram realizadas 43 adoções em 2023, em comparação com 42 adoções ao longo de todo o ano de 2022. Segundo o juiz Iberê Dias, que atua na Vara da Infância e da Juventude e é assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, esse aumento está diretamente relacionado ao fim da pandemia, uma vez que os indicadores de 2022 ainda refletiam os impactos desse período e as famílias enfrentavam outras prioridades naquele momento. Com informações de Correio Popular.
Além disso, a informatização dos processos, que também foi impulsionada pelo período de isolamento, permitiu que juízes e juízas da infância tivessem um controle muito mais preciso sobre os processos sob sua responsabilidade, especialmente no que diz respeito aos prazos.
Atualmente, há 28 crianças aguardando adoção em Campinas, todas vivendo em espaços de acolhimento. Dentre essas crianças, uma tem até três anos de idade, cinco têm entre 8 e 12 anos e 22 possuem mais de 12 anos. Por outro lado, os pais interessados na adoção, em sua maioria, buscam crianças com até seis anos de idade. Conforme a faixa etária aumenta, a procura diminui. Os dados revelam que há 21 pessoas interessadas em crianças de até 2 anos, 95 em crianças de 4 anos, 109 em crianças de até seis anos, 59 em crianças de até 8 anos, 10 em crianças de até 10 anos, 3 em crianças de até 12 anos, 1 em crianças de até 14 anos e nenhum pretendente para adolescentes acima dos 14 anos. Os pais também têm a opção de indicar mais de uma faixa etária na escolha.
Iberê Dias observa que a barreira da idade é um dos maiores desafios no sistema de adoção do Brasil, com pouquíssimas pessoas dispostas a adotar crianças com mais de 10 anos, embora a grande maioria das crianças aptas à adoção no país esteja nessa faixa etária. “Esse descompasso entre o perfil desejado pelos adotantes e o perfil real das crianças aptas para adoção é um dos fatores que resultam no longo tempo que elas passam em casas de acolhimento. Quando essas crianças atingem a idade de 18 anos, são obrigadas a deixar as casas de acolhimento e passam a ter que se sustentar por conta própria”, destaca o juiz.
Para enfrentar esse desafio, campanhas de incentivo à adoção são realizadas. No Tribunal de Justiça de São Paulo, existe um programa chamado “Adote um ‘Boa Noite!'”, cujo objetivo é conscientizar a sociedade sobre essa situação e promover a adoção de crianças com deficiência ou com mais de 10 anos de idade.
O programa opera por meio de um site que apresenta fotos e vídeos de crianças com os perfis disponíveis para adoção. Desde o seu início, em 12 de outubro de 2017, mais de 70 adoções foram concluídas, e outras 30 estão em andamento.
Outro aspecto importante é o perfil racial escolhido pelos pretendentes no momento da adoção, o que revela outra perspectiva da realidade. De acordo com os dados do Tribunal de Justiça de Campinas, a maioria dos pretendentes (181) não manifesta preferência em relação à cor ou raça da criança ou adolescente, seguida pela opção por crianças brancas (106), pardas (73), indígenas (19), amarelas (13) e pretas (5).
O juiz Iberê avalia que a preferência por crianças brancas pode ser resultado de diversos fatores. Em primeiro lugar, destaca, a maioria dos adotantes é branca, e nem todos se sentem preparados para lidar com as complexidades de adoções inter-raciais. “Além disso, em um país estruturalmente racista, seria ingênuo ignorar que o racismo também influencia a preferência por crianças brancas. No entanto, ao longo dos anos, tem-se observado um aumento gradual no número de adotantes interessados em adotar crianças negras, o que pode indicar uma evolução positiva na conscientização sobre questões raciais na sociedade”, conclui.
Apesar desse cenário, Iberê Dias enfatiza que os adotantes não devem “forçar a mão” no perfil da criança que desejam adotar, visando acelerar o processo. É fundamental que os pretendentes sejam fiéis aos seus verdadeiros desejos, pois isso contribui para um processo de adoção saudável.
Adoção Tardia
O analista de sistemas, Adeilson Evangelista da Silva, de 40 anos, sempre desejou ser pai. Lembrando-se da ausência de seu próprio pai, ele aspirava proporcionar uma experiência diferente na criação de seus filhos, enfatizando a importância da presença paterna. Tanto ele quanto sua esposa, Juliana, de 40 anos, descobriram que não poderiam ter filhos biológicos, mas essa vontade persistiu e se fortaleceu. Decidiram, então, adotar. Inicialmente, como muitos outros, esperavam adotar uma criança muito nova. No entanto, ao participarem de um grupo de apoio à adoção, onde trocaram informações, assistiram a palestras e estabeleceram contato com outras famílias que haviam adotado, suas perspectivas mudaram.
Uma criança mais velha finalmente entrou em suas vidas após quatro anos de espera, e não veio sozinha. Marllon, com sete anos, e Marcel, com cinco anos, eram dois irmãos em busca de uma família, e o casal percebeu rapidamente que essa família seria composta pelos quatro. “Nossa conexão com eles foi muito forte desde o início”, relembra o pai. “Nas chamadas de vídeo, antes mesmo de nos encontrarmos pessoalmente, eles já nos chamavam de ‘pai’ e ‘mãe’. Naquele momento, tivemos que fazer cara de paisagem, mas ao desligar o telefone choramos muito.”
O funcionário público Cleir Coelho, com 50 anos de idade, também passou por uma adoção tardia após anos de tentativas para ter filhos biológicos com sua esposa, Daniela, de 47 anos. Durante esse processo, eles chegaram à conclusão de que seus filhos talvez já tivessem nascido, só não estavam ainda em sua família. O ponto de virada aconteceu quando começaram a participar do Grupo de Apoio à Adoção Nova Vida, onde encontraram uma surpreendente oportunidade: a possibilidade de adotar dois irmãos, o adolescente Miguel, com 14 anos, e a pequena Emily, com cinco anos, desde que não fossem separados das outras duas irmãs no meio do processo. No entanto, uma reviravolta ocorreu quando surgiu um casal do mesmo grupo que também estava interessado nas jovens Ana Clara e Priscila, e para surpresa de todos, esses dois casais eram vizinhos. O resultado foi uma adoção unificada, tratada como um único processo com a guarda compartilhada, e Cleir se refere carinhosamente ao grupo formado como “A Grande Família”.
Para Cleir, manter os quatro irmãos juntos foi essencial não apenas para acolhê-los, mas também para conquistar a confiança de seus novos filhos. “Miguel sabia que, devido à sua idade, a adoção seria mais difícil, mas quando nos conhecemos, ele expressou que já tinha a certeza de que seria adotado. Naquele momento, ele me deu um chaveiro com a inscrição ‘papai, eu te amo’, e ali nós selamos nossa aliança de pai e filho”, compartilha emocionado.
Associação prima pelo direito à origem familiar
Fundada em 2021, a Associação Brasileira de Pessoas Adotadas (Adotiva) tem como objetivo representar e oferecer suporte a todos os brasileiros adotados, abordando a questão da adoção sob a perspectiva daqueles que passaram por essa experiência. A jornalista e bacharel em Direito, Larissa Alves da Silva, foi uma das idealizadoras dessa iniciativa, que teve origem em Campinas quando um grupo de 10 adotados decidiu lançar a Associação.
Esse projeto, que surgiu durante a pandemia, está empenhado em lutar pelos direitos em todas as etapas do processo de adoção, reunindo pessoas adotadas de todo o país para discutir o chamado “direito à biografia”.
Larissa, que foi adotada ainda bebê e soube da sua adoção aos quatro anos de idade, relata que a iniciativa começou com pessoas adotadas que estavam produzindo conteúdo para as redes sociais durante o período de isolamento social. Ela própria havia começado a compartilhar sua história a partir de 2019, após se conectar com outra pessoa também adotada. Esse encontro a fez questionar a falta de representatividade e informação sobre adoção sob a perspectiva daqueles que viveram o processo de adoção na pele.
Larissa observa que muitos brasileiros adotados enfrentam a dificuldade de encontrar informações sobre a adoção sob a ótica dos adotados a longo prazo quando sentem a necessidade de explorar ou entender mais sobre a adoção. Em geral, os materiais disponíveis abordam a perspectiva das famílias e dos pretendentes à adoção, não refletindo a realidade adotiva a longo prazo. Um exemplo disso é que existem mais de 200 grupos de apoio para pais adotivos, mas apenas uma associação de pessoas adotadas.
Foi a partir do grupo de pessoas adotadas que se uniram durante a pandemia para produzir e compartilhar conteúdo que a Associação foi oficialmente estabelecida em dezembro de 2021.
Uma das principais questões destacadas por Larissa é o direito à origem. Ela ressalta que há um julgamento moral em relação à pessoa adotada quando ela busca informações sobre sua família biológica, como se isso fosse ingrato em relação à família adotiva. No entanto, essa busca pode ser crucial para entender questões relacionadas à saúde, que podem afetar a qualidade de vida ao longo do tempo.
Através da Associação, foi possível dar voz a essas e outras questões. Em seus dois anos de existência, a Adotiva realiza palestras, seminários e defende melhorias nas casas de acolhimento, padronização nos cursos preparatórios, campanhas de saúde e respeito à história pessoal dos adotados. A organização também oferece grupos de acolhimento para adotados adultos, conduzidos por profissionais de saúde mental, e lançou uma cartilha inédita sobre o direito à origem durante o Mês Nacional da Adoção de 2023, em maio.
No final de setembro, serão abertas novas vagas para o grupo de acolhimento. As pessoas adotadas interessadas em participar podem obter informações através do Instagram da Associação @adotivabrasil. Larissa também mantém o canal @olharadotivo, onde compartilha conteúdos relacionados ao tema.