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Racismo

Negros e negras ainda lutam por direitos e liberdades

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Mais da metade da população brasileira, segundo o IBGE, é negra: ou seja, 56% de nós somos pretos e pardos. E, mesmo sendo maioria, algumas consequências da escravidão, considerada um modelo perverso e cruel construído com base na normalização do preconceito e da violência contra afrodescendentes em todo o país, ainda recaem sobre essa população, mesmo passados 134 anos desde a promulgação da Lei Áurea, que a aboliu oficialmente no país.

Além do racismo estrutural,  arraigado na sociedade, as desigualdades existentes entre negros e não negros sob várias perspectivas – oportunidades de trabalho, acesso ao ensino superior, à moradia e a serviço de saúde dignos, salários, entre várias outras – são retratos ainda atuais de um passado que até hoje não foi deixado em seu devido lugar.

No mês passado, o Brasil foi denunciado ao Comitê pela Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU) por não garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais da população negra, segundo a Articulação de Resgate e Reforço da Agenda de Durban, composta por entidades como Criola, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Comunidade Bahá’í do Brasil, Coalizão Negra por Direitos e Instituto Raça e Igualdade.

Na denúncia encaminhada à ONU pela articulação de entidades, um dos pontos retratados foi a violência que atinge mulheres negras, que representam 66% das mulheres assassinadas no país. Em 2009, a taxa de mortalidade de negras era 48,5% superior à de não negras; em 2020, tornou-se 65,8% superior à de não negras.

“A violência contra a população negra é um dos temas mais preocupantes na pauta das organizações. Desde 2006, temos o período de maior encarceramento de jovens e mulheres negros, claramente ligados ao racismo que se acentuou desde a aprovação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e ao sistema judiciário do nosso país, que condena à prisão o jovem periférico e negro de 18 anos por andar com dois pinos de droga, mas envia para clínica psiquiátrica o branco filho de autoridade que é encontrado em avião repleto de drogas. Nesse tempo todo, não vi nenhum caso de pessoa branca ser presa por engano”, relata Maria Sylvia de Oliveira, coordenadora de política de promoção de igualdade de gênero e raça do Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização baseada em São Paulo (SP), com 34 anos de história, que atua local e coletivamente com mais de 250 organizações do movimento negro brasileiro.

Vidas negras importam. Nesse contexto, os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 reforçam o relato de Maria Sylvia sobre o racismo estrutural: ao menos 70% do total de vítimas de mortes violentas no país são pessoas negras. E os percentuais aumentaram. Em 2019, as vítimas negras representavam 68% do total dos crimes de lesão corporal seguidos de morte, e as identificadas como brancas, 31%. Em 2020, a diferença entre os grupos aumentou: 75,3% de pessoas negras vítimas, contra 24,7% de pessoas brancas.

As mortes decorrentes de intervenção policial foram de 79% de pessoas negras vítimas dos confrontos, em 2019, e 78,9% em 2020. De acordo com o Anuário de Segurança Pública, “apesar de evidentes, as correlações entre a discriminação racial que estrutura as relações sociais brasileiras e a maior proporção de pessoas pretas e pardas, sobretudo homens, entre as vítimas da violência letal no país precisam continuar sendo enfatizadas”.

Na área de saúde, a não implementação da Política Nacional de Saúde Integral para a População Negra e a falta de investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) foram reivindicadas pela articulação de movimentos negros ao comitê internacional da ONU. De acordo com o documento, após a pandemia de Covid-19, a taxa de mortalidade materna saltou de 57,9 a cada 100 mil nascidos vivos (2019) para 107,5 a cada 100 mil (2021). De modo geral, a denúncia buscou responder às alegações do governo federal de que o combate ao racismo é uma de suas prioridades.

Segundo o coletivo de entidades, a população preta e parda “vive em um regime fundado no racismo estrutural e institucional que sustenta seu extermínio”. O último informe do Estado brasileiro ao comitê da ONU, entregue em 2020, abordou o contexto do país de 2004 a 2017, excluindo a realidade do racismo estrutural agravado pela conjuntura econômica, social, de saúde e política dos últimos anos. Entre as recomendações, as organizações solicitam que o comitê da ONU cobre do Estado brasileiro a efetivação de política de igualdade racial e mecanismos de participação social, com elaboração e implementação de um Plano Nacional de Enfrentamento do Racismo Institucional e da Política de Morte à População Negra”, diz trecho do documento.

SOS Racismo

Atuando no fortalecimento do conhecimento da mulher negra sobre seus direitos e contra a violência doméstica, o Geledés criou em 1992 o primeiro escritório jurídico com enfoque em questões étnica-raciais do Brasil, o SOS Racismo, inspirado em iniciativa francesa. Desde 2000, passou a atuar junto às cortes internacionais de direitos humanos, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), e junto à ONU.

No campo do trabalho, centenas de empresas e pessoas ainda mantêm sistemas escravocratas em pleno século XXI: de 1995 a junho deste ano, foram resgatados mais de 57 mil trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo em todo o país. No ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 1.415 denúncias de trabalho escravo, aliciamento e tráfico de trabalhadores no Brasil, número 70% maior que em 2020.

Os crimes de racismo e injúria racial também foram retratados pelo Anuário Brasilerio de Segurança Pública, e, comparando-se os dados entre 2019 e 2020, os registros caíram. No Brasil, os casos de injúria racial foram, em números absolutos, 12.357 e 10.291, respectivamente. Já os registros de racismo somaram 2.485 queixas, em 2019, e 2.364, em 2020. Os dados que compõem o Anuário de Segurança são, na maioria dos casos, obtidos via secretarias de Estado de Segurança Pública ou de Defesa Social dos Estados e do Distrito Federal.

Ao se debruçar sobre os dados de segurança no país, o cientista em humanidades pela Universidade do ABC Dennis Pacheco, pesquisador no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, analisou que “a discrepância entre o número de registros de racismo e de injúria racial explicita a negligência dos sistemas de justiça e segurança pública em relação aos crimes de ódio e discriminação”. “Simultaneamente, salta aos olhos outra indiferença, a relativa à mortalidade violenta de LGBTQI+ no país: oito das 27 unidades federativas não souberam dizer quantos LGBTQI+ foram vítimas de homicídio em seu território. Se os crimes de injúria racial e racismo têm dificuldades no registro, os de homicídio têm registros ainda mais escassos”, avaliou Pacheco em texto publicado no Anuário.

Injúria racial

Injúria racial é ofender alguém com base em sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. O Código Penal, em seu artigo 140, descreve o delito de injúria, que consiste na conduta de ofender a dignidade de alguém, e prevê como pena reclusão de 1 a 6 meses ou multa.

Racismo

A Lei 7.716/1989, conhecida com Lei do Racismo, pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o preconceito ou discriminação. Por exemplo, não deixar que uma pessoa assuma determinado cargo por causa de raça ou gênero. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão.

Leia o caderno completo:

Na véspera do Dia da Consciência Negra, data celebrada em 20 de novembro, O TEMPO traz fragmentos de um mergulho no universo dos “novos quilombos” – coletivos de negras e negros que se unem em torno de projetos culturais, ativismo, direitos humanos, habitação, empreendedorismo e economia. Para acompanhar os desdobramentos do tema acesse o site especial – Novos Quilombos.

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