DISCRIMINAÇÃO
Mineiros gastam R$20 mil com viagem de aniversário a Cancún e são deportados
Casal de Raposos foi enviado de volta ao Brasil após desembarcar em aeroporto mexicano, sem entender o motivo da deportação
Após três anos planejando uma viagem a Cancún, cidade de praias paradisíacas na costa do México, o casal de Raposos João Paulo Araujo, 30, e Débora Silva, 24, nem dormia direito nos últimos dias, ansioso para uma semana em um resort luxuoso à beira-mar e passeios que incluíam nado com golfinhos. O sonho, que custou cerca de R$20 mil e seria a comemoração de um ano de casados, acabou no aeroporto da cidade mexicana, entretanto, quando a entrada dos dois foi negada e o casal foi deportado para o Brasil.
“Sonho vale mais que qualquer dinheiro, e tiraram isso da gente. Voltei completamente sem chão para o Brasil. A gente estava com tudo, mostramos passagem de ida e volta, comprovante de compra de passeios. Acho que rolou preconceito pela imagem dos brasileiros. Não explicaram por que não nos deixaram entrar”, diz João Paulo. Depois de retornar ao Brasil na noite de sexta-feira (10), ele se refugiou com a esposa da casa de uma prima na cidade paulista Jundiaí.
A história do casal tem se tornado mais comum: no primeiro semestre deste ano, a Polícia Federal de Minas Gerais divulgou uma nota em que alertava que o número de deportações de brasileiros neste ano foi quatro vezes maior do que no mesmo período de 2020 e 2019, pré-pandemia. Por trás da alta, segundo analistas, está o fechamento do cerco a imigrantes ilegais que usam o país como passagem para os EUA.
Dono de uma loja de lanternagem, João Paulo conta que essa seria a primeira vez que ele sairia do país — e também suas primeiras férias em sete anos, depois de muito trabalho juntando dinheiro para se casar e viajar com a esposa. Ele descreve que, ao chegarem ao aeroporto de Cancún, após uma parada no Panamá, eles passaram pela primeira entrevista de imigração e, em seguida, foram direcionados a uma segunda sala para uma segunda conversa, mais tensa.
Além das perguntas de praxe nos processos de entrada em outro país, como tempo de permanência da pessoa na cidade, João diz que o funcionário insistia para saber detalhes do trabalho do brasileiro e se o casal tinha filhos. “Depois, ele só disse que não nos autorizava a entrar no país. Quando estávamos quase saindo da sala dos deportados, chegou mais uma família de brasileiros, com duas idosas e três jovens. Eles falaram que estava levando quase R$50 mil para a viagem e eram de Governador Valadares, de onde muita gente tenta entrar nos EUA”, relata.
Eles chegaram no México na quarta (9) e só conseguiram chegar ao Brasil dois dias depois. A situação ainda piorou quando João Paulo e Débora desembarcaram no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. A companhia aérea incluída no pacote que compraram não forneceu o voo até BH, que agora eles terão de pagar do próprio bolso.
“Estamos fazendo de tudo para o resort devolver o valor da hospedagem. O transporte aéreo eles perderam. Também tinham comprado alguns passeios e parece que o valor será devolvido. Isso nunca tinha acontecido com clientes nossos, ficamos impressionados”, diz o dono da franqueada da CVC que vendeu o pacote aos viajantes, Marcus Vinícius. Agora, João Paulo diz estar disposto a entrar na Justiça se for preciso para tentar recuperar o prejuízo.
A reportagem questionou a Embaixada do México no Brasil sobre quais são os critérios do governo mexicano para permitir a entrada de brasileiros no país da América do Norte e aguarda retorno.
México fecha cerco a latinos, de olho em imigração ilegal, diz pesquisadora
A socióloga Sueli Siqueira, estudiosa de movimentos migratórios na Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), explica que o México responde à pressão do governo norte-americano para fechar o cerco contra imigrantes ilegais que utilizam o país latino para chegar aos EUA.
“São as portas se fechando, com o número crescente de brasileiros e pessoas de outros locais entrando nos EUA via México. Na medida em que isso fica mais rígido, outros sistemas são mais fiscalizados, além das fronteiras terrestres. Cancún também é um canal. Há pessoas que até compram passagem de ida e volta para. Disney, nos EUA, para não chamar a atenção e imigrarem ilegalmente”, diz.
Ela lembra que o perfil do casal, jovem, sem filhos ou histórico de viagens ao exterior, pode ser o que chamou a atenção das autoridades, por se enquadrar em um perfil de imigração ilegal. Ela pontua que a deterioração da imagem do Brasil no exterior pode não interferir diretamente sobre a aceitação da entrada de brasileiros em outros países, mas a situação econômica instável do país cria um ambiente propício à emigração. “Por que as pessoas migram? Pela desesperança”, pontua.
- O Tempo