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Feminicídio

Minas já registra 120 pedidos de medidas protetivas a mulheres por dia

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Na última semana, três mulheres morreram em Minas Gerais por crimes que chocam pela brutalidade e ilustram como diferentes perfis deste público são vulneráveis e alvos constantes de violências das mais diversas formas. Bárbara Vitória, de 10 anos, Emily Ferretti, de 25, e Neuza Braga, de 55, são mais três histórias interrompidas que entram na numerosa lista de feminicídios no Brasil. As informações são do jornal Estado de Minas.

Os constantes casos de agressão contra mulheres ganham contornos ainda mais dramáticos quando analisados por meio dos balanços ano a ano. Dados enviados pela Polícia Civil ao Estado de Minas demonstram que foram cerca de 120 medidas protetivas a mulheres solicitadas por dia em Minas Gerais neste ano. De janeiro a abril de 2022, foram 14.414 pedidos. Isso quer dizer que a cada hora, cinco medidas protetivas foram solicitadas no estado para evitar que mulheres fossem vítimas de crimes envolvendo violência.

Bárbara Vitória, criança de 10 anos de idade, foi encontrada morta com sinais de violência sexual e enforcamento em Ribeirão das Neves na última terça-feira (2/8). Ela estava desaparecida desde o domingo (31/7), quando saiu para comprar pão perto de casa. Na quinta-feira (4), Emily Ferretti foi esfaqueada pelo ex-companheiro na Região do Barreiro, em Belo Horizonte, dias após ter pedido medida protetiva por ter sido ameaçada pelo homem. Já Neuza Braga faleceu na sexta (5) em Itajubá, Sul de Minas, após passar um mês internada tentando se recuperar de queimaduras provocadas pelo ex-companheiro, que ateou fogo em seu corpo.

A medida protetiva é um instrumento legal utilizado para proteger mulheres em situação de risco. A depender de cada caso, a decisão pode impedir que o agressor se aproxime da vítima e pessoas próximas, exigir comparecimento a programas de recuperação ou reeducação, restrição do porte de armas e até o encaminhamento da mulher e filhos a abrigos.

Para Isabella Matosinhos, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, as medidas protetivas são ferramentas importantes na tentativa de prevenir agressões e feminicídios, mas elas apresentam imperfeições. Uma delas é a possível falta de celeridade na apreciação do pedido pelo poder judiciário, o que também mostra que, quanto antes a mulher perceber sinais de risco e solicitar a medida antes de uma escalada de violência, mais ela pode ser eficiente.

“Eu percebo que a medida protetiva é importante, porque em muitos casos ela pode prevenir algum tipo de violência. Ela tem o objetivo de tentar evitar que haja proximidade do agressor com a vítima e possíveis contatos violentos. Mas acho que é interessante pensar que existe uma diferença grande entre solicitar a medida e ela ser decretada. Quando a gente pensa em medida protetiva, a gente tem que pensar que a concessão não é imediata, existe todo esse trâmite jurídico para ela ser decretada. Em regra, a mulher solicita e ela precisa ser apreciada por um juiz”, explica.

Os dados comprovam a tese de Isabella, já que os números de solicitações de medidas protetivas vêm explodindo em Minas Gerais nos últimos anos. Em 2021 a média foi ainda maior do que a registrada neste ano – foram 126 pedidos por dia, sendo que em 2016 esse número era de 86 – um aumento de aproximadamente 47% em cinco anos.

Para pesquisadora, é preciso mais agilidade da Justiça

A pesquisadora ressalta a complexidade do problema da violência contra a mulher e destaca que a mitigação dos danos causados por esse cenário precisa ser trabalhada em várias frentes, ampliando a eficiência das medidas protetivas, por exemplo.

“Em termos de efetividade, acho que (a medida protetiva) é um passo muito importante, mas que tem que ser coordenado com outras ações. O primeiro desafio é o judiciário decretar em tempo hábil. Mas uma vez que ela é decretada, ela precisa ser combinada com outras formas de assegurar que essa mulher fique livre de violência. Pelas minhas pesquisas, acho que uma iniciativa interessante é a Patrulha Maria da Penha. Nos casos em que a mulher já prestou queixa ou que a medida protetiva é decretada, um grupo da PM visita a casa dessas mulheres para ver se está tudo certo. Para checar se está sendo respeitado, se naquele momento aquela mulher está bem”, avalia.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública avalia as medidas protetivas como ferramentas importantes para conter a escalada da violência em relações abusivas, ainda assim, o número de feminicídios no Brasil cresceu em cerca de 44,3% entre 2016 e 2021, o que evidencia a necessidade de ampliar as medidas de proteção às mulheres, como apontado por Matosinhos.
Ainda que eficientes e uma forma crucial de apoio a mulheres em situação de risco, as medidas protetivas, mesmo quando já concedidas pela Justiça, não significam o impedimento de crimes. A pesquisadora do Crisp cita um caso em que o agressor conseguiu acesso à vítima mesmo com a imposição de restrições.

“Estava conversando com um juiz e ele me contou sobre um caso em BH em que a medida foi decretada e determinava colocar tornozeleira eletrônica no agressor. Em dado momento, a tornozeleira descarregou e, nesse lapso de tempo, ele foi até o trabalho da mulher e deu um tiro nela. Nesse caso, quando a polícia percebeu que a tornozeleira estava descarregada, foram atrás, mas já era tarde”, exemplifica.

Infográfico sobre a violência contra a mulher
(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)

Mulheres são vulneráveis

Neuza Braga tinha uma medida protetiva contra o ex-companheiro, que já tinha um histórico de agressões e comportamento violento. Emily Ferretti solicitou medida protetiva de urgência no dia 30 de junho à Polícia Civil, quando foi à delegacia relatar ameaças de vazamento de imagens íntimas por parte do homem que a assassinou pouco mais de um mês depois.

Para a professora de sociologia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e também pesquisadora do Crisp, Luana Hordones, os casos são exemplos de como a violência atinge todas as mulheres e que o problema deve ser encarado de forma ampla.
“O fato de essas histórias se repetirem e com perfis diferentes quer dizer uma coisa: é muito vulnerável viver em corpo de mulher. Só isso já aumenta muito as chances de violência, e ela não tem um critério, ela está em todas as classes, todas sofrem, em todas as idades e em vários contextos”, aponta.

Os números da violência sexual ilustram a fala da professora. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, 88,2% das vítimas de estupro e estupro de vulnerável no país foram mulheres. O recorte de perfil étnico racial aponta que 52,2% eram negras, 46,9% brancas e menos de 1% amarelas ou indígenas, segundo designação do documento.

Em Minas, conforme a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), desde 2020 foram registrados 358.999 casos de violência doméstica. Só até junho deste ano, foram 67.892 ocorrências. Hordones aponta para a gravidade dos números, que revelam que o ambiente familiar é sinônimo de risco.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que Minas Gerais foi o estado que mais registrou ameaças à mulheres no país em 2020 e 2021, com 85.148 e 84.209 registros, respectivamente.

“A casa deveria ser um lugar de proteção. As mulheres são educadas para o ambiente doméstico, essa é a nossa socialização. A gente tem uma socialização que volta a mulher para dentro de casa, para a valorização do ambiente doméstico e é dentro de casa onde nós corremos mais perigo. A questão da segurança pública é muito discutida pela falta de segurança nas ruas, no trânsito, mas as mulheres não podem se sentir seguras dentro de casa”, comenta.

Medidas para interromper escalada de violência

O próprio entendimento do que é uma situação violenta não é algo tão notório de imediato para todas as mulheres. A pesquisadora Isabella Matosinhos explica algumas particularidades nesse contexto.

“Essa situação envolve um problema educacional, porque a gente tem que disseminar o que é a violência contra a mulher. Existe um estudo que quer medir a violência contra a mulher e ele pergunta para algumas mulheres e alguns homens se já houve violência no relacionamento e muitas pessoas respondem que não. Depois, em perguntas mais objetivas, se já houve grito, empurrões, se o homem não respeitou quando houve recusa a fazer sexo, se já houve ameaça, chanteagem e situações do tipo, muitas pessoas falavam sim, confirmavam esse tipo de comportamento”, diz Isabella.

“Às vezes, até mesmo o que é violência ainda está em debate. Pode ser que a mulher só chegue à delegacia quando a situação já está muito avançada”, completa.

A pesquisadora explica que as chances de se poupar a vida de uma mulher estão relacionadas a quão cedo é identificada uma relação abusiva e como são percebidas as várias formas possíveis de violência.
A visão é corroborada pela colega Luana Hordones. “Todos conhecemos alguma mulher que já esteve em relação abusiva. A gente precisa dar nome às coisas, perceber que há violência na relação é importante. A violência não é só física, ela é verbal, ela é psicológica. Tem muitas formas de violência e se a gente não nomeia, é como se a gente não encarasse que aquilo existe e a gente não combate. Antes de chegar no feminicídio, na agressão física, há uma gradação e, por muitas vezes, essas atitudes acontecem, mas não são vistas como uma forma de violência”, analisa.
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