Minas
MG: investigações de neonazismo cresceram 900% nos últimos 4 anos, e jovens são alvos fáceis
Escalada de casos nacionais motiva missões do Ministério dos Direitos Humanos; casos extremos costumam acontecer em escolas e faculdades
O crime de neonazismo motivou um aumento de 900% nas investigações da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) em um período de quatro anos. A instituição abriu 10 inquéritos para apurar suspeitos de fabricar, comercializar ou divulgar elementos do nazismo, como o uso da cruz suástica ou gamada, por exemplo, no ano passado. Em 2019, isso só aconteceu uma vez. Os números, que podem parecer pouco expressivos, na verdade são indicadores de uma escalada de violência que ultrapassa o delimitado na lei: casos extremos de ódio e ataques direcionados. Quando os suspeitos são identificados, não é raro que sejam adolescentes ou jovens adultos. O fenômeno, segundo historiadores da área, tende a atrair os mais jovens e ameaçar instituições de ensino assim como no ápice do nazismo, nos anos 1930. Com informações de O Tempo.
Ele foi localizado por um conexão com um grupo de Santa Catarina. Outras ocorrências que marcam o enfrentamento ao neonazismo no Estado também mostram um protagonismo jovem e ocorrem em colégios e faculdades. Na Escola Municipal José Silvino Diniz, em Contagem, na região metropolitana, paredes foram pichadas com suásticas e mensagens com referências a Hitler, líder do nazismo alemão. O mesmo ocorreu no banheiro da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), em Divinópolis, que ficou marcado por um “Viva Hitler”.
“Esse aumento de ocorrências explícitas do neonazismo está cooptando principalmente os jovens pela violência. É um momento de fragilidade, porque o adolescente está numa fase de crise existencial, está buscando uma identidade, uma referência”, afirma a historiadora social Beatriz Brusantin, que é coordenadora do curso de História da Estácio BH e estudou o movimento de extrema direita no mestrado.
Na avaliação de Sérgio da Mata, a estratégia de agir pelos mais jovens funciona porque coopta os mais dispostos a radicalizar. “Eles querem provar autenticidade. As posturas contestatórias, aquilo que é politicamente incorreto, aquilo que causa mais alvoroço, vai atrair a atenção desses meninos”, diz. “Acontece, também, uma manipulação dos sentidos. Os neonazistas dizem buscar liberdade, o que parece justo, lembra independência, mas, na verdade, a falta de limites é a lei da selva. Se assim for, quem tiver uma arma, quem for mais forte, vai se impor”, alerta.
Mas a integração dos adolescentes e jovens ao extremismo também tem outro lado. As escolas e instituições de ensino tendem a absorver as discussões e mudanças da sociedade, conforme o especialista em segurança pública Jorge Tassi. Ele argumenta que o fenômeno é típico de um cenário de polarização. “Aconteceu um afunilamento. A sensação da polarização é que existem dois grupos em conflito, e os jovens absorvem isso. Não é normal que o neonazismo se manifeste, mas ele acompanha uma série de situações de discriminação, violência e questões políticas que se tornam mais conservadoras”, analisa.
No Brasil, investigações de neonazismo saltaram 311%
O alerta ultrapassa os limites do Estado. A nível nacional, os inquéritos abertos pela Polícia Federal (PF) para apurar o mesmo crime — descrito no §1º do artigo 20 da lei 7.716/1989 — quadruplicaram em um ano. Em 2023, 37 investigações foram iniciadas no país. Já em 2022, foram 9. Os dados foram divulgados após pedido de acesso à informação pela agência de dados “Fiquem Sabendo”.
Trabalho articulado entre Ministério dos Direitos Humanos e ONU
Neste ano, a PF abriu novos 6 inquéritos só até março, um deles instaurado na Zona da Mata mineira. Em abril, a ameaça do extremismo motivou o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do Governo Federal, a iniciar um trabalho de comunicação com a Organização das Nações Unidas (ONU). O primeiro relatório sobre o aumento de células neonazistas no Brasil cita três casos em Minas Gerais, todos eles em instituições de ensino. A pichação na UEMG, em 2022, e dois casos de ameaças neonazistas em escolas em Belo Horizonte e em Contagem, na região metropolitana, foram mencionados.
“Você tem um dado histórico. O próprio nazismo operou na lógica da cultura e da educação. Esses sempre foram os espaços de cooptação em relação ao pensamento nazista. Na relatoria do Conselho, temos trabalhado com as secretarias de cultura e educação como elementos chave de enfrentamento”, afirma o relator especial para o enfrentamento de células neonazistas no Brasil, Carlos Nicodemos.
Neonazismo cresce em Minas em resposta à tendência mundial
O extremismo de direita é um fenômeno documentado no país desde a década de 1920, por um pensamento intelectual, político e ideológico do “verde-amarelismo”, como era chamado o movimento à época, segundo a historiadora social Beatriz Brusantin. Mas as células neonazistas, que ficavam mais concentradas no Sul do país e no Estado de São Paulo, passaram a se multiplicar ativamente em outras regiões do Brasil nos últimos anos. Foi o que aconteceu com Minas Gerais.
“Existe uma circulação do pensamento de ultra direita que se aqueceu mundialmente. Então, é um movimento internacional que está ecoando, está recebendo público. Quando chega no país, em Minas Gerais, encontra um berço fértil marcado pela incitação ao ódio”, explica a historiadora Brusantin.
Ideias neonazistas são “premiadas” com engajamento
As ideias neonazistas crescem em escalada por estarem mais fáceis de acessar, a poucos cliques de distância. Perfis sem identificação publicam uma série de postagens diariamente, com mensagens de ódio direcionado. Segundo o historiador Sérgio da Mata, estas publicações ganham destaque pelo efeito chocante. “As redes, como o Telegram e o X (antigo Twitter), estão com políticas muito facilmente violáveis. Com certeza é uma minoria que posta, mas faz muito mais barulho. As posições extremistas têm sido premiadas com engajamento: geram adesão, likes, compartilhamentos”, avalia.
É o que tem levantado o trabalho da relatoria do Conselho do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania nas missões pelo Brasil. O grupo foi à campo em Santa Catarina e passará, na sequência, pelos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. “A internet é um ambiente de altíssima fertilidade. Ela fomenta os discursos de ódio, misoginia, racismo, e acaba se tornando uma forma de retroalimentação. A performance da postagem retroalimenta aquela ideologia de supremacia racial”, confirma o conselheiro-chefe Carlos Nicodemos.
Ainda há muito a se fazer
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) têm apurado e feito um trabalho de análise do cenário das células neonazistas no Brasil desde junho do ano passado. O relator especial da missão, Carlos Nicodemos, adiantou ao O TEMPO três indicadores que serão oficializados à ONU até o final deste ano:
- falta de política de enfrentamento ao crime;
- conceito de neonazismo desatualizado
- e necessidade de melhoria na responsabilização dos criminosos.
“São questões que devem constar no relatório final da relatoria. Primeiro, não existe uma política nacional de enfrentamento a esse tema no Brasil. As iniciativas são isoladas, dentro de competências específicas dos órgãos, sem qualificações em termos de investigação”, alerta o relator. Conforme Nicodemos, o segundo ponto é que a criminalização do neonazismo é dificultada quando se entende o ato apenas como aversão aos judeus.
A reportagem demandou o Estado de Minas Gerais e o Governo Federal sobre as políticas de enfrentamento ao neonazismo. A matéria será atualizada com as respostas.
Dados
Procedimentos instaurados na Polícia Civil pelo crime de apologia ao nazismo em MG:
- 2019: 1
- 2020: 2
- 2021: 1
- 2022: 6
- 2023: 10
Fonte: PCMG
PCMG explica: o crime de neonazismo
A Polícia Civil informa que apologia ao nazismo se enquadra na Lei 7.716/1989, segundo a qual é crime:
- Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa – ou reclusão de dois a cinco anos e multa se o crime foi cometido em publicações ou meios de comunicação social.
- Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
Não se cale, denuncie:
O crime de neonazismo pode ser denunciado por registro de ocorrência nas delegacias do Estado ou pelo Disque Denúncia Unificado – 181. O sigilo é garantido.