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Medo de massacre leva famílias a armarem alunos e aumenta desafio da segurança

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Má gestão da violência e falta de tolerância têm tirado a paz da comunidade estudantil — Foto: Pixabay/Reprodução

Somente nesta semana, cinco adolescentes foram apreendidos com facas em escolas de Minas; especialistas não acreditam em armamento para enfrentar o problema

O desespero virou rotina para muitas famílias após a recente onda de ameaças e ataques em escolas de Minas Gerais. Tomados pelo medo, pais estão armando os estudantes com facas e outros itens levados na mochila, protestando em frente às instituições de ensino ou mantendo as crianças em casa. Os pedidos não param de crescer: policiais armados dentro das escolas, detector de metais e revista em quem entra nas portarias. O alvoroço a cada nova data de massacre anunciada nas redes sociais desafia os trabalhos da educação e da segurança. Com informações de O Tempo.

Somente nesta semana, cinco adolescentes foram apreendidos com facas em escolas de Minas Gerais. Em Poços de Caldas, no Sul de Minas, quatro jovens de 12 a 14 anos levaram facas na mochila depois que um perfil em rede social ameaçou um massacre na escola. À Polícia Militar, os adolescentes disseram ter ficado com medo de algo violento acontecer e não terem como se defender.

Já na Escola Estadual Laura das Chagas Ferreira, no Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, um adolescente de 17 anos levou uma arma de airsoft e duas facas, assumindo o mesmo medo. E a procura por armas para defesa pessoal não está somente nas escolas públicas. “Estamos recomendando aos pais que verifiquem a mochila dos filhos antes de os mandarem para a escola. Muitas vezes, eles colocam ali uma faca, algum tipo de arma, por pensar que pode servir de defesa. Mesmo os pais têm algum comportamento assim”, relata Valéria Morato, presidente do Sindicato dos Professores de Escolas Particulares do Estado de Minas Gerais (Sinpro Minas).

Se por um lado famílias estão se armando, por outro, o pedido é por vistoria. “Além de seguranças armados, os pais têm pedido para levantar os muros das escolas, por detector de metais, para que sejam verificadas as mochilas. Os funcionários da escola não têm autorização para abrir a mochila dos alunos e mexer em suas coisas. Esse alvoroço só dificulta ainda mais o cuidado”, afirma Zuleica Reis, diretora do Colégio Santa Dorotéia, na região Centro-Sul de BH, e diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP).

Para Valéria Cristina Oliveira, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), medidas tomadas por ansiedade e medo só aumentam a dificuldade de tratar da segurança nas escolas da forma adequada. “A crença de que só a segurança armada pode funcionar estimula parte dessa sensação de pânico. Quanto mais armas dentro da escola, que é um ambiente de educação, mais pânico. Seja por estudantes, seja por agentes de segurança”, afirma.

Foi também o desespero que levou a uma situação inusitada a acontecer em São Gotardo, no Triângulo Mineiro, nessa quarta-feira (12). Ao supostamente avistarem uma pessoa mascarada fora de uma escola, familiares e moradores do entorno se armaram com facas e lâminas e foram em direção à instituição de ensino, com a intenção de “defender os estudantes de um possível ataque”. A Polícia Militar afirmou ter se tratado de alarme falso e reforçou que “a escola é segura, toda cercada por concertina e ninguém acessou o interior da mesma”. Para acalmar os moradores, a prefeitura da cidade e as polícias Militar e Civil gravaram um vídeo explicando o ocorrido.

“O medo é real nas suas consequências. Acontecimentos de apreensão de armas, de represália nas escolas, são tão graves quanto se houvesse o risco de fato”, continua a especialista Valéria Oliveira.

Polícia Militar garante segurança: “todos os esforços empenhados”

De acordo com o Tenente Coronel Flávio Santiago, não há motivo para que as famílias de estudantes do Estado tenham medo. O militar garante que a polícia está atuando em uma gama de ações junto aos órgãos de educação, mapeando, prevenindo e combatendo ações violentas nas instituições de ensino. “Minha mensagem é para os pais. Contamos com a confiança no trabalho das forças de segurança. Estamos empenhando todos os nossos esforços para proteger as crianças e jovens, como se fossem nossos filhos e netos”, tranquiliza.

O Tenente Coronel reforça que a PM age de forma conectada, com estratégia, inteligência e em contato com outros órgãos de segurança. Pela Operação de Proteção Escolar, foram distribuídas 127 novas viaturas em Minas e cerca de 160 policiais estão mobilizados em Belo Horizonte e na região metropolitana. “Estamos com uma série de ações com a Patrulha Escolar, ronda das equipes nas escolas, rede de proteção, reuniões com as famílias. Juntos, sociedade e segurança, somos mais fortes para blindar a segurança dos nossos jovens e garantir o seu futuro”, continua o militar.

Santiago chama a atenção para o cuidado com os boatos de ataques. “São muitas informações sem fundamento circulando, o que só causa medo de forma criminosa. A Polícia Militar está identificando as pessoas envolvidas e elas estão sendo responsabilizadas”. Sobre a suposta data de ataque no dia 20 de abril, o Tenente Coronel tranquiliza a comunidade escolar. “Confiem nas forças de segurança. Vamos fazer com que o dia 20 seja de proteção da escola”, convida.

Demanda por vigilância armada chega às escolas particulares

Apesar de se sentir segura em enviar a filha para uma escola particular na região da Pampulha, em Belo Horizonte, Cláudia Cristina Nogueira, de 43 anos, ainda sente falta de um vigilante armado. “Sinto muita segurança na escola, que tem porteiro 24h e câmeras de segurança. Minha filha também não comenta de medo. Mas queria que tivesse um vigilante armado na entrada, pelo menos”, diz. Para Cláudia, só essa medida protegeria sua filha Luíza, de 15 anos. “Sem um porteiro armado o tempo todo, se chegar um criminoso, nada vai adiantar”, continua.

O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinepe-MG), Winder Almeida Souza,  afirma que é consenso nos colégios não aderir aos vigilantes armados, mesmo com o aumento da demanda nas últimas semanas. “Não teremos policiamento ou segurança armada. Foi o que definimos em uma reunião com as maiores instituições da Grande BH”.

Segundo ele, a opção por não aderir aos pedidos dos pais é, justamente, pela segurança dos alunos. “Escola não é lugar para armas. Uma troca de tiros, por exemplo, dentro de uma sala de aula, em um pátio, coloca muito mais crianças e jovens em risco”, diz.

No Colégio Santa Dorotéia, outras medidas de segurança ganham espaço ao invés dos policiais armados na instituição. “Nós estamos adotando outros sistemas de segurança, como utilização de crachás para entrada e saída na escola, detector facial da comunidade escolar, seguranças, não armados, nas intermediações do colégio”, conta a diretora Zuleica Reis. A questão psicológica também está sendo levada em consideração. “Há a presença de psicólogos que tratam da questão do bullying, do respeito com os outros. Pensamos também em criar um comitê onde os pais possam participar e conversar diretamente com a escola”, aposta.

A escolha por outras alternativas além do armamento é apoiada pelo Sindicato dos Professores de Escolas Particulares do Estado (Sinpro Minas). De acordo com a presidente, Valéria Morato, a medida poderia, na verdade, piorar a segurança da comunidade escolar. “Levar armas para dentro da escola piora. Nós já sabemos, principalmente com base no que acontece nos Estados Unidos. Se há um vigilante armado, então a pessoa que está disposta a fazer um atentado vai se armar mais ainda, não parar. Não é assim que se resolve o problema”, afirma.

Para Morato, é mais adequado que a escola aja em conjunto com as famílias para enfrentar o medo. “As escolas precisam conversar sobre o assunto com pais, professores e estudantes. Acolher o medo e discutir o uso de redes sociais e o repasse de mensagens de violência”.


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