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Fazendo faxina

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A campainha toca, sinal de visita. As portas dos armários são fechadas, as camas estendidas, objetos espalhados na mesa da cozinha ganham abrigo na parte escura da cristaleira. O quarto dos fundos, ainda bem que fica nos fundos, é inacessível aos olhos e também aos moradores que não encontram nada nas prateleiras que empilham tudo. Uma mistura de vasilhas de plástico, latas de alimentos, balde de roupa suja, bicicleta, impressora estragada, cadernos antigos dos tempos do Ensino Médio, produtos de limpeza, vassouras e objetos não identificados há muitos anos. A visita encontra uma máscara, quando o acesso ao lar é liberado pelo balançar das chaves.

Café mineiro com fartura de quitandas, conversa sobre a vida alheia, dos problemas dos outros, dos vizinhos, dos parentes, das confusões da novela. Quando o assunto se esgota, moradores e visitas começam a falar de si mesmos. São somente sorrisos e bocas dizendo “está tudo bem”, “na paz”, “vivendo, aprendendo e curtindo o que Deus manda”, “essa peleja normal, não é mesmo?”, revelam entre os dentes sem graça. Quando aparece a intimidade, estrategicamente, a vassoura é colocada para cima, atrás da porta. Simpatia antiga. Despedida! Troca de gentilezas:

“Apareça outras vezes!”

“Desculpe-me por qualquer coisa!”

“Não repare na bagunça!”

Visivelmente, estava tudo arrumado. Talvez uma poeira debaixo dos móveis, atrás da televisão, nos enfeites importados da China, intocáveis, pelo preço que custaram, e pela secretária que se “esquecia” de passar o espanador, todas as quartas-feiras em que era contratada para faxinar.

Precisava voltar com tudo para seus devidos lugares, para se encontrar dentro da própria casa. Havia um montante de roupas espremidas no guarda-roupa, que seriam empilhadas numa cadeira, à espera do ferro de passar, e de um milagre. Afinal, há uns cinco meses, blusas já usadas se misturavam com calças ainda na etiqueta, meias e toalhas davam volume àquela confusão. As contas a pagar saíram do anonimato para serem protagonistas na pilha de livros e de cadernos que competiam espaço com as imagens de santos em um aparador na sala de estar. Sapatos, que não sentiam o gostinho dos pés há décadas, hibernavam debaixo da cama do quarto de hóspedes. Ah! E o quarto da bagunça, ops, dos fundos… Melhor nem estressar.

Haveria solução para aquele coração em tique-taque descompassado? Para o sono inexistente, para a insônia sempre presente? Ansiedade, atraso no trabalho e nos compromissos sociais, desatenção no trânsito. Falta de tempo! Excesso de momentos para procrastinar. Uma mente sem memória, cansaço e dor nas pernas. Desilusão amorosa. Coices nas palavras jogadas ao vento e nas pessoas ao redor. Acúmulo! Acúmulo! Acúmulo!

Quando atravessar além do olho mágico, adentrar em qualquer casa, visitar um parente, conhecido ou amigo, seja mal-educado. Repare. Atente-se ao cenário. Observe os mínimos detalhes do que está fora do lugar. Arrumado demais? Desconfie também. Se disserem “não repare na bagunça”, seja solidário. Observe a sua própria casa. Seus tesouros. Alguém está precisando de ajuda. De arrumação externa e, principalmente, de uma mudança interior. De faxina geral.

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