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Como o Atlético buscou o reconhecimento do título de 1937

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Atlético foi reconhecido como campeão brasileiro de 1937 - Créditos: Itatiaia

Atlético teve o título brasileiro de 1937 reconhecido pela CBF nesta sexta-feira (25)

O reconhecimento do Torneio dos Campeões de 1937 como Campeonato Brasileiro pela CBF foi um processo em que o Atlético se baseou em vários documentos históricos. Com informações de Itatiaia.

O clube entregou um dossiê à entidade feito com base na pesquisa de Emmerson Maurílio, que integra a equipe de comunicação do Galo e é grande conhecedor da sua história.

Num segundo momento, fez um complemento do material e incluiu dois textos jornalísticos. Um de Frederico Ribeiro, do GE. O outro é essa coluna escrita em 22 de março do ano passado, quando trato da questão das unificações de títulos e do desejo do Atlético, que neste 25 de agosto de 2023 se transforma em realidade.

Confira a coluna:

Comparar épocas é um erro quando se trata da história do futebol. Isso faz, por exemplo, com que os europeus, até de forma recorrente, cometam o absurdo de apontar Cristiano Ronaldo ou Messi como jogadores maiores do que Pelé, como se fosse possível trazer as décadas de 1950, 1960 para os tempos atuais.

Ao promover a unificação dos títulos brasileiros, em 20 de dezembro de 2010, foi isso o que fez a Confederação Brasileira de Futebol (CBF): comparar épocas. Não vem ao caso os bastidores da resolução da presidência assinada por Ricardo Teixeira, na época comandante da entidade. Mas fica a certeza de que foi aberto o precedente para que o Atlético, por exemplo, possa pleitear a inclusão do Torneio dos Campeões de 1937 dentro deste processo.

Atlético foi reconhecido como campeão brasileiro de 1937 – Créditos Centro Atleticano de Memória

A Taça Brasil, disputada entre 1959 e 1968, e o Robertão, que teve quatro edições entre 1967 e 1970 e era uma sequência do Torneio Rio-São Paulo, tinham grande valor. Foram disputados pela maior geração que o futebol brasileiro já teve. E não precisavam de equiparação.

A impressão é de que esses títulos tinham um valor menor e passaram a ser importantes a partir do momento que Ricardo Teixeira assinou a unificação dos títulos brasileiros. E ao chancelar aquele documento em 20 de dezembro de 2010, o cartola “abriu a porteira”.

Cenário

É importante destacar o cenário vivido pelo Brasil e o nosso futebol na década de 1930, sendo que a implantação do profissionalismo, em 1933, provocou uma divisão ainda maior no esporte.

Nas duas primeiras Copas do Mundo, por exemplo, a Seleção Brasileira não teve força máxima. Em 1930, no Uruguai, por causa do bairrismo entre paulistas e cariocas. Quatro anos depois, na Itália, por reflexos da profissionalização que não foi adotada por todos. Eram duas as entidades comandando o futebol.

A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) era filiada à Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) e cuidava da Seleção Brasileira. A Federação Brasileira de Futebol (FBF) era profissional e foi a promotora do Torneio dos Campeões, ou Campeonato Brasileiro de 1937.

Torneios

A FBF promoveu o Campeonato Brasileiro de Seleções de 1933 a 1935. Depois de não realizar o torneio em 1936 por questões financeiras, em 1937 apresentou um novo formato.

Em sua dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas, Rodrigo Guimarães Saturnino Braga descreve esta novidade:

“O ano (1937) começou com a organização, pela FBF, em janeiro e fevereiro, do seu quarto Campeonato Brasileiro, ou torneio dos campeões, como chamou o Jornal dos Sports. Num sinal de precária situação econômica, a federação optou por organizar um torneio com as equipes campeãs estaduais de 1936, nas ligas a ela filiadas, os seja, Aliança de Campos (RJ), Atlético (MG), Fluminense (DF), Portuguesa de Desportos (SP), Rio Branco (ES), além da Liga de Esportes da Marinha. O Atlético Mineiro foi o campeão, um título que provavelmente seria hoje reconhecido como um brasileiro, não fosse a competição organizada pela FBF”.

No mesmo trabalho, Saturnino destaca: “O CBSE (Campeonato Brasileiro de Seleções) voltou a ser disputado no final de 1938, até março de 1939, para fechar uma temporada marcante do futebol brasileiro. Na verdade, não finalizou pois o campeonato paulista só se encerrou em abril do ano seguinte. Foi a primeira edição disputada na nova estrutura organizacional, os seja, sob a direção da FBF, vinculada à CBD. Em agosto de 1938, a FBF abandonou a ideia de um campeonato de clubes campeões estaduais e confirmou o CBSE”.

Sim, em 1937 e 1938 o futebol brasileiro viveu o que se chamou na época de “pacificação”, com uma espécie de fusão entre CBD e FBF diante de um quadro de iminente intervenção federal numa época em que o país vivia a chamada Era Vargas, que durou de 1930 a 1945, um período complicado da história que tem inclusive a Segunda Guerra Mundial.

Essa pacificação é que permitiu à Seleção Brasileira, apenas na terceira edição da Copa do Mundo, ter sua força máxima, em 1938, na França. E o resultado veio, pois o time que tinha Leônidas da Silva como grande referência conquistou o terceiro lugar.

Regularidade

Questionamento comum contra a equiparação do que o Jornal dos Sports chamou de Torneio dos Campeões ao Campeonato Brasileiro, seguindo a linha da unificação promovida pela CBF em dezembro de 2010, são de que esta competição não teve regularidade.

A questão da regularidade é explicada numa entrevista de José Maria Castello Branco, então presidente da FBF, ao jornal O Globo, em 4 de março de 1938.

“O campeonato brasileiro de seleções – a experiência já o ensinou – torna-se quase impraticável, pois o profissionalismo modificou as obrigações dos clubes para com as entidades. A minha ideia é de ampliar o campeonato dos campeões – como um prêmio aos clubes que levantarem os certames locais, ao mesmo tempo que desobriga as entidades de compromissos pesados”.

Esta entrevista de Castello Branco ao O Globo provocou a seguinte conclusão de Rodrigo Guimarães Saturnino Braga em seu precioso trabalho.

“Como alternativa, pensava em ampliar o Campeonato dos Campeões, nos moldes do disputado pelos campeões estaduais da FBF no início de 1937, e que viria a ser implantado em 1959, com a Taça Brasil”.

Abrangência

Quando se trata de abrangência, é preciso pensar em cima da realidade de 1937. E ela é escancarada por Max Gehringer na série de revistas publicadas juntamente com a Placar e que foram chamadas de A saga da Jules Rimet, com a história das Copas sendo contadas em detalhes entre 1930 e 1970.

Um ano após o Torneio dos Campeões, a Seleção Brasileira partiu para a disputa do Mundial de 1938, na França. A viagem é descrita por Gehringer.

A Seleção Brasileira embarcou no Rio de Janeiro em 30 de abril, no navio britânico Arlanza. Levou dois dias para chegar a Salvador, Mais um até Recife. O desembarque em Marselha, na França, só aconteceu em 15 de maio.

Duas décadas depois, um ano antes da disputa da primeira edição da Taça Brasil, o Brasil foi à Suécia conquistar sua primeira Copa do Mundo. Max Gehringer descreve a viagem num DC-7 da Panair do Brasil, partindo também do Rio de Janeiro, do Galeão, numa viagem de 26 horas e meia.

Parece muito perto para os dias de hoje, mas 20 anos antes a Seleção precisou de mais de 360 horas para cruzar o Atlântico.

Isso evidencia a dificuldade de se comparar épocas. Num país continental como o Brasil, promover um torneio de grande abrangência em 1937 era uma tarefa quase impossível.

Até em 1959 isso era difícil, tanto que a Taça Brasil tinha as etapas preliminares sempre regionalizadas, para se evitar grandes deslocamentos para os clubes.

A equiparação do Torneio dos Campeões com o Campeonato Brasileiro é jurisprudência. E ela foi provocada justamente pela CBF, que em dezembro de 2010 resolveu comparar épocas ao promover a unificação dos títulos, como se isso fosse fazer Taça Brasil e Robertão valerem mais, o que não era necessário.

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