Saúde
Como funciona implante que trata depressão, aplicado pela 1ª vez no Brasil
Como funciona implante que trata depressão, aplicado pela 1ª vez no Brasil
Um dispositivo de eletroestimulação para tratar depressão resistente foi implantado pela primeira vez no Brasil no dia 11 de agosto, no Hospital SOS Cárdio, em Florianópolis (SC). Os dois pacientes foram selecionados pela área psiquiátrica da instituição porque passaram por outros tratamentos protocolares para o transtorno no hospital, mas não apresentaram resultados satisfatórios. Com informações de Viva Bem.
“Existe um dispositivo semelhante aplicado para epilepsia, projetado para controlar crises, e já era feito no Brasil há cerca de 20 anos. Em 2017, foi aprovado nos EUA, com a finalidade de tratar depressão resistente. No ano seguinte, [foi aprovado] na Inglaterra, com outro tipo de carga e dosagem dos estímulos. No Brasil, seu uso foi aprovado em 2019 pela Anvisa”, diz o neurocirurgião Wuilker Knoner Campos, que aplicou o primeiro implante.
A depressão refratária ou resistente é caracterizada quando pacientes já passaram por tratamentos convencionais, com o uso de antidepressivos duas ou mais vezes, mas não houve melhora do quadro. Um estudo feito na América-Latina apontou que 30% das pessoas afetadas pela doença apresentam esse tipo. A terapia VSN, como é chamado esse tratamento com o uso desse aparelho, entretanto, tem mostrado resultados.
Como funciona implante contra depressão
O dispositivo estimula o nervo vago, um dos principais responsáveis pelos estímulos parassimpáticos (aqueles involuntários) do nosso organismo. Esse nervo passa atrás de nossas orelhas e se estende até a região do tórax e abdome, conectando o tronco cerebral a quase todos os órgãos essenciais. Ele é como se fosse uma estrada para impulsos elétricos, relatando ao cérebro o que está acontecendo no corpo.
“A estimulação [do nervo], faz com que esses impulsos elétricos subam e estimulem áreas do cérebro ligadas aos afetos humanos, melhorando o humor e a depressão”, explica Campos, que também é doutor em neurociências pela UFSC e presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional e Estereotaxia.
É como se você estivesse sem bateria e precisasse de uma carga extra. De forma coloquial, é isso que fazemos, damos uma carga nesta área do sistema do humor e das emoções.Wuilker Knoner Campos, neurocirurgião
A cirurgia para o implante que trata a depressão resistente precisa ser feita com anestesia geral. São feitas duas incisões: uma próxima à clavícula e à axila esquerda, que recebe o gerador, e outra próxima ao pescoço, em que são conectados os eletrodos ao nervo. O funcionamento do aparelho se assemelha ao muito conhecido marca-passo cardíaco.
Campos afirma que os riscos da cirurgia são baixos e o paciente recebe alta no mesmo dia. “O implante pode ser removido, mas a indicação de retirada é somente com algum tipo de infecção ou quando o paciente não tolera os estímulos. Como a depressão não tem cura, é preciso um tratamento contínuo, então provavelmente não haverá alta”, comenta.
Quem pode fazer o implante?
Os pacientes eletivos a esse tipo de implante precisam já ter passado por tratamentos da depressão resistente e não terem obtido resultado satisfatório, entre os quais está o uso da cetamina, estimulação magnética transcraniana (técnica que usa campos magnéticos de baixa intensidade para estimular áreas do cérebro) e eletroconvulsoterapia, que aplica correntes elétricas no cérebro e induz a convulsões controladas.
Segundo Campos, os implantes dos primeiros aparelhos foram doados pela empresa LivaNova, dos EUA. O médico afirma que, atualmente, só é possível fazer a cirurgia por meio particular.
Para chegar ao SUS, essa tecnologia precisa ser submetida ao Conictec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde).
“A Conitec não leva só essa questão de melhorar o paciente ou não, mas principalmente a questão econômica e se seria viável ter isso no SUS. Esse mesmo aparelho foi submetido para epilepsia, mas não foi aprovado mesmo sendo uma técnica aprovada há mais de 20 anos para controle da doença”, analisa Campos.
Implante realmente melhora a depressão?
De acordo com Campos, os benefícios podem ser sentidos pelos pacientes entre três a sete meses após o implante e os sintomas melhoram em até 70%.
Nos EUA, um estudo observacional acompanhou por cinco anos 795 pacientes que sofriam com depressão resistente. Os participantes tinham o problema há pelo menos dois anos e falharam em quatro tratamentos ou mais. Os pesquisadores compararam os resultados de melhora clínica entre os pacientes que tiveram o nervo vago estimulado e os que não tiveram.
O grupo com estimulação elétrica do nervo apresentou melhora clínica dos sintomas 26,7% maior em comparação ao grupo que adotou o tratamento usual, e uma taxa de remissão dos sintomas 17,6% superior.
Para Campos, dispositivos semelhantes na neurocirurgia estão se tornando cada vez mais comuns e representam um avanço significativo na vida dos pacientes.
Já existem técnicas semelhantes para tratar Parkinson, distúrbios de movimento, toque, agressividade e para inibir os sinais da dor. Esses métodos físicos mudaram a partir do entendimento de como funciona cada doença e os circuitos neuronais envolvidos, e quais sinapses devemos interferir para tratar as disfunções.Wuilker Knoner Campos, neurocirurgião
Por que é difícil tratar a depressão resistente?
Rodrigo Marques, psiquiatra, professor da UFPE, explica que a depressão refratária é caracterizada por um quadro que é mais difícil de tratar do que a maioria dos casos. “Apesar do crescente arsenal terapêutico para tratamento, alguns pacientes ainda irão persistir sintomáticos”, diz.
Além das limitações clínicas, ainda há o problema do diagnóstico correto da doença e o preconceito relacionado ao tratamento da saúde mental.
“É preciso a verificação que de fato foram feitos tratamentos eficazes previamente. Outra questão importante é que muitas vezes a depressão não é considerada tão importante como deveria ser. Às vezes, os pacientes demoram muitos anos antes de procurar tratamento pelo estigma e por receio das medicações”, diz a psiquiatra e professora Catarina de Moraes Braga, mestre em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE.