Colunistas
Coisas amenas, não são menos
Em períodos tão áridos como o atual, as sensações ficam à flor da pele. Tudo muito latente… Ardente. Talvez a matriarca dessas sensações seja o desejo. Hoje, desejamos a cura, saúde. Desejamos sair de casa e até ter a vida de antes.
Para o otimista, desejar é o primeiro passo para a realização. Já o pessimista poderá entender o desejo como um fardo. Uma meta inatingível, próxima da ilusão. Nestes casos, desejar demais acaba sendo sinônimo de frustração.
Essas palavras, definições e conceitos nos povoam. O tempo e a pressão dos dias vão nos girando num carrossel. Os sentimentos se misturam e nem todo mundo tem saúde psíquica para esse momento de travessia.
Com tudo misturado ter desejo é um norte. Desejos tangíveis. Os desejos da hora, do dia, da semana… Do mês. Em tempos tão instáveis até a rotina dos desejos tem que ser outra: aspirar às coisas simples para se preparar para as grandes mudanças.
Desejar não sofrer pode ser um passo interessante a ser dado. Não sofrer, nesse caso, está relacionado ao controle da ansiedade e da insegurança. Quem é da yoga há de concordar que o melhor a ser feito neste momento é respirar.
Respirar não é só sentido literal. Respirar tem a ver com o se desconectar desse mundo real e do virtual para se reconectar com o mundo íntimo na busca por equilíbrio. Lucidez.
Nas andanças por nós mesmos vamos fazendo descobertas. Nada forçado, no estalo mesmo. Na ausência do pensar, a epifania. Sentido se desenha e com ele – por que não – novos desejos. Outras metas.
A tônica do “ficar em casa” pode ser resignificada. E o “ficar em casa” pode se traduzir em ficar em nós mesmos. Estar conosco é estar em nossa primeira morada. Bem organizada, aqui ou aí dentro, é ambiente seguro. Livre de certas contaminações indesejadas.
A química ensina: é preciso decantação. Separar substâncias que não combinam entre si. Para isso, é necessário repouso e deixar o próprio tempo agir.
Não há tempo perdido.
Por mais estranho que seja, há sempre uma mudança. Um movimento, novo estado. A ação de separar as coisas é só uma fase desse processo de olhar para dentro e para fora. Às vezes realizado ao mesmo tempo.
Na falta de um raciocínio melhor, vou terminar com um poema meu:
O que é essencial pode ser pequeno aos olhos; daí a necessidade de tatear, ver com mãos. Quando tudo mais for escuridão, de peito aberto, o coração ouve… Separa o grito do dizer das pequenas coisas… Todas elas; as que somam. As que não são menos… Só amenas.
- RODRIGO DIAS é jornalista e web poeta, há mais de duas décadas trabalha no mercado de comunicação. Formado em Publicidade e Propaganda, também atua como assessor de comunicação. e-mail: [email protected]