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Belo Horizonte monitora cinco casos suspeitos de febre maculosa

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Nas mãos, dois atestados de óbito e a dor de uma família destroçada pela perda repentina. Em um intervalo de apenas dois dias, morreram Enzo Gabriel Lima da Silva, 4 anos, e a bisavó, Ana Josefa da Silva, 73, na última semana no bairro Tijuca, em Contagem, na região metropolitana – a área fica no limite com Belo Horizonte. E os dois casos voltaram a acender um alerta de uma temida doença: a febre maculosa, transmitida pelo carrapato estrela.

“Se meu filho tivesse sido diagnosticado corretamente, ele estaria aqui. O que potencializa a minha dor é que minha avó também passou pelo mesmo descaso”, relatou emocionada a mãe do garoto, Ana Vitória da Silva, 20. Diante da circulação da bactéria que provoca a doença na cidade vizinha, as ações de combate ao carrapato transmissor foram reforçadas na capital – até o momento, também seguem em investigação cinco casos de febre maculosa local pela Secretaria Municipal de Saúde.

Ao todo, já foram descartados 34 notificações e o último óbito em BH aconteceu no ano passado, após 2019 sem registros. E é justamente a região da bacia da Pampulha, que atravessa as duas cidades e onde vive a família do Enzo e da Ana Josefa, a que mais preocupa a pasta. “É uma área de transmissão, porque ainda têm acontecido casos humanos ali”, relatou o diretor de Zoonoses, Eduardo Viana. Do lado de Contagem, a prefeitura também confirma que a área endêmica.

Segundo o especialista, é justamente as porções de córregos e nascentes da região propícias para um dos principais hospedeiros da doença que explicam os riscos da área  – a atuação da prefeitura se concentra em um raio de 5 km da avenida Xangrilá, no bairro Braúna. “Toda essa rede hidrográfica é um caminho natural para capivaras. Quando foi realizado o trabalho em Belo Horizonte de manejo da população de capivaras, primeiro ele foi antecedido de um estudo populacional onde foi realizada toda a varredura, inclusive nesses cursos d’água que desembocam na lagoa”, explicou Viana.

O trabalho de controle populacional desses animais, com a castração, também aconteceu em parceria com Contagem e foi considerado referência nacional na época. “Essa população alvo foi submetida ao procedimento e a gente espera, ao longo dos anos, que haja um declínio natural dessa população”, frisou o dirigente. Além disso, é realizado nos meses de abril, agosto e novembro a chamada vigilância acarológica, que é a tentativa de acompanhar a presença de carrapatos no ambiente.

“Em determinadas situações, tentamos identificar se eles têm ou não a bactéria causadora da febre maculosa”, enfatizou. Porém, diante do agravamento da pandemia na cidade em abril, a ação foi adiada para maio deste ano. Conforme o especialista, essas são as épocas mais propensas para a transmissão da doença, já que os carrapatos ficam mais presentes no solo. “Esse calendário anual tenta buscar as fases que o artrópode tem na natureza. Primeiro, tenta pegar a fase mais jovem, as larvas, uma fase posterior que é uma ninfa, cuja picada é menos perceptível, e depois a tentativa de capturar os adultos, que geralmente já estão nos hospedeiros”.

Também há iniciativas nas regionais Nordeste, Norte, Pampulha, Barreiro e Venda Nova. O dirigente garantiu ainda que não foi encontrada nenhuma anormalidade na capital quanto à presença do carrapato que transmite a febre maculosa. “É uma doença muito grave, a simples presença do carrapato no corpo de uma pessoa indica risco elevado. Mesmo tendo em algumas áreas uma infestação maior, mas no contexto geral uma infestação que não indicaria um elevado risco, mas apenas um carrapato contaminado, se ele encontra uma pessoa, a transmissão acontece”.

Família denuncia falta de ações de conscientização

Outro trabalho crucial para evitar que novos óbitos pela febre maculosa aconteçam, principalmente nessa época de maior risco, é a conscientização das pessoas. Tia do pequeno Enzo, Natália Fernandes, 24, disse que não existe nenhum controle da doença no bairro. “Ano passado, nosso vizinho morreu de febre maculosa. O que vemos é um jogo de empurra entre os municípios, que não fazem nada”, declarou.

Já a Prefeitura de Contagem informou que as ações são contínuas desde 2017 e que após a identificação das mortes, foram visitadas 1.305 residências, além de borrifação de um produto específico para combate ao carrapato estrela nos quarteirões que ficam a 500 metros da casa da família. “Nas próximas duas semanas, a equipe da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana fará a roçada e a capina da região”, contou o Executivo municipal.

O diretor de zoonoses em BH, Eduardo Viana, também afirmou que o monitoramento e combate é rotineiro, mas que os registros no município vizinho preocupam. “Os casos  indicam uma necessidade de intensificação, e temos com Contagem uma parceria histórica, é uma preocupação conjunta em termos de saúde pública. Do nosso lado vão estar ações com os agentes, levando folhetos, fazendo controle químico quando necessário, e também reforçar nas unidades de saúde a sensibilização com relação ao risco de aparecerem pacientes com sintomas”, pontuou.

Sem tratamento correto, taxa de mortalidade pela doença é de 85%

O clínico geral e diretor da Imedato Consultas e Exames, Diogo Umann, explicou que sem um tratamento correto, a chance da febre maculosa provocar um óbito é de 85%. “A doença pode progredir resultando em desidratação, insuficiência renal, pulmonar e atingir até o sistema nervoso central, gerando grave infecção do cérebro, confusão mental, delírios, convulsões e até levar ao coma”, enfatizou.

Por isso, é necessário iniciar tratamento com antibióticos nos primeiro dois ou três dias de sintomas – inicialmente, aparecem febre alta, dores de cabeça, dor muscular, mal-estar geral e inflamação da conjuntiva ocular, gerando vermelhidão nos olhos. “Muitos pacientes apresentam também sintomas do sistema gastrointestinal como vômito, diarreia e dor no abdômen. Um dos principais sinais diferenciais para o diagnóstico são marcas da pele, o exantema máculo-papular, são manchas de aspecto rosado”, finalizou.

(Com Alice Brito)

Mini-entrevista com o diretor de Zoonoses, Eduardo Viana

O que é a vigilância acarológica?

É a tentativa de acompanhar a presença de carrapatos no ambiente, ou seja, na vegetação, no solo, tentar quantificar essa população de carrapatos e também, em determinadas situações, tentar identificar se eles têm ou não têm a bactéria causadora da febre maculosa.

Por qual motivo elas acontecem em abril, agosto e novembro?

Tivemos em abril deste ano, mudamos o calendário para o mês posterior, começamos em maio. Esse calendário anual tenta buscar as fases que o carrapato tem na natureza, no seu ciclo de vida. Primeiro, tenta pegar a fase mais jovem do carrapato, as larvas, uma fase posterior que é uma ninfa e depois tentativa de capturar os adultos, que geralmente já estão nos hospedeiros. Então essa fase principal, esse período sazonal, é período onde temos mais aquelas fases que estão ligadas ao solo. A larva que acabou de nascer do ovo e a ninfa, que são as fases de vida do carrapato que mais se movimentam, são menores e um risco maior para o ser humano, porque são menos perceptíveis, tem maior quantitativo, a infestação é maior, porque elas vão morrendo. Quando chega na fase adulta, sabe que têm muitos poucos adultos. É um quantitativo, menos perceptíveis, estão em número maior e a picada é menos dolorosa. De um adulto, percebe rapidamente. A picada de um carrapato mais jovem, nas fases de larva e ninfa, é praticamente indolor, depois você vai perceber que começa a coçar. E você percebe um pontinho preto grudado em seu corpo, isso aumenta a possibilidade do tempo necessário para que, se o carrapato estiver contaminado com a bactéria, que ela passe para o ser humano.

No caso do carrapato adulto, como a mordida é dolorosa e ele é tão grande, que percebe facilmente e rapidamente tira do seu corpo, então o tempo para passar a bactéria é muito menor. O risco é maior nessas fases juvenis, que são mais presentes nessas fases do ano, por isso realizamos a vigilância acarológica na tentativa de perceber essas fases no meio ambiente.

Não encontramos nenhuma anormalidade, mas não deixa de existir o risco. É uma doença muito grave, a simples presença do carrapato no corpo de uma pessoa indica risco elevado. Mesmo tendo em algumas áreas uma infestação maior, mas no contexto geral uma infestação que não indicaria um elevado risco, mas apenas um carrapato contaminado, se ele encontra uma pessoa, a transmissão acontece. O que a gente leva de informação para a população e que é fundamental, sabendo que existem áreas com possibilidade de infestação próximas das casas, evite entrar nessas áreas. E se perceber um carrapato e começar a desenvolver os sintomas da doença, notadamente febre, sem uma origem específica, busque imediatamente a unidade de saúde e não esqueça de relatar que foi encontrado o carrapato no corpo ou que a pessoa esteve em uma área sujeita à infestação de carrapatos. Isso é a diferença fundamental entre a possibilidade de tratamento precoce que vai salvar a vida. Por isso, essa informação é fundamental, esse é o grande esforço, orientar.

Como são escolhidas as regiões que recebem as intervenções?

O contexto de escolha dos pontos de intervenção ou vigilância tem a ver com a característica de risco ambiental. Estamos falando de uma espécie específica e ela tem todo um contexto em termos de hospedeiros primários, secundários e ciclo de vida no ambiente. Então baseado nessas informações referentes ao vetor carrapato e também aqueles hospedeiros necessários para o ciclo e amplificação de possíveis patógenos, no caso a bactéria, a gente faz um estudo indicando justamente essas áreas de Belo Horizonte onde existe a possibilidade de manutenção de um ciclo de transmissão da doença.

Por isso, a escolha de determinadas áreas, inclusive essas áreas próximas à Pampulha. O contexto nessa região da Pampulha envolve muito os caminhos de água, onde temos o hospedeiro principal desses carrapatos, que é a capivara. Associamos com a presença de equídeos e define uma área específica. Não internamente no zoológico, mas nas proximidades da orla, incluindo uma parte do zoológico, em que temos sempre mantido a necessária informação para a população com relação ao risco e também ações de vigilância para monitoramento acarológico.

Fonte: Por LUCAS MORAIS –  O Tempo

Foto: Jaques Diogo –  O Tempo

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