Cidadania
Aumenta violência contra mulher, principalmente a negra
Dados mostrados em reunião revelam que o índice cresceu 7,3%, sendo que entre as negras o aumento foi de 54%.
A violência contra as mulheres aumentou 7,3% em média no Brasil em 2019 em média. Apesar de esse crime ter diminuído 26% entre mulheres brancas, contra as negras, aumentou 54%. Só em Minas Gerais, foram 276 feminicídios no ano, 60% da raça negra. Essa dura realidade do sexo feminino, que vivencia não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual e a patrimonial, foi retratada com contundência na tarde desta sexta-feira (6/3/20).
Na audiência pública que a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher realizou, foram também enfocadas as estratégias e ferramentas para reduzir esse grave problema social. Realizado na Praça Sete, Centro da Capital, o evento foi uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para lembrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março.
Com a temática Sempre Vivas: Mulheres, história e resistência, a programação teve a parceria de coletivos, entidades e órgãos ligados à causa. E também integra o calendário do Legislativo em referência aos 300 anos de Minas Gerais, que se completam em 2 de dezembro deste ano.
“Hoje, a luta da mulher é pela vida; estão matando as mulheres”, denunciou de fora contundente Maria Aparecida Neto Lacerda, diretora da Associação dos Funcionários Fiscais de Minas Gerais. Segundo ela, o ato realizado nesta sexta-feira pela Assembleia com o emblemático título Sempre Vivas é revelador da quarta onda do movimento de emancipação feminina, tipicamente latino-americano, em que a luta principal é pela preservação da vida.
Na sua avaliação, as estatísticas do último ano não são uma coincidência: “O aumento de 7,3% nos feminicídios revelam a política do atual governo, orientada pelo machismo, o sexismo e a homofobia”, alertou.
Quilombos – Nesse diapasão, a engenheira florestal Ângela Gomes, coordenadora nacional de formação política do Movimento Negro Unificado (MNU), avaliou que o Estado tem uma dívida histórica com as mulheres, especialmente as negras: “Minas Gerais é um território das águas e de lágrimas de mulheres que foram torturadas e mortas. Elas amamentaram e cuidaram dos filhos dos senhores, Muitas tiveram que se prostituir para pagar as dívidas de seus senhores portugueses”.
Para a dirigente, o saber acumulado nos quilombos pelo povo negro, que inclui o uso de plantas medicinais que curam diversos males deve ser transformado em política pública. “Esse conhecimento africano tem que chegar a todos. Mas hoje, vemos uma sociedade branca, racista, de base europeia e a mudança só vai acontecer a partir do olhar feminino, negro e africano”, constatou.
Lesbofobia – Natália Alves da Silva, mestra em arquitetura e urbanismo pela UFMG, criticou o fato de não haver estatísticas oficiais sobre mortes de mulheres lésbicas e bissexuais. “A morte delas acontece nas ruas, pois esta sociedade heterossexista e patriarcal quer impedir que duas mulheres possam se amar”.
Para reverter essa realidade, ela defende a união das mulheres, de forma que cresça a empatia e entre elas e que cada uma se conecte à vida das outras. “Só assim, vamos construir um pacto que permita o avanço da luta”, defendeu.
Situação de rua – Monaliza Silva de Alcântara, psicológica e integrante da Comissão de Mulheres do Conselho Regional de Psicologia de Minas, atua na redução de danos para mulheres em situação de rua na Capital. “Essa população é invisibilizada. Além da violência conjugal, elas estão expostas a violação de direitos básicos, como alimentação, habitação e segurança”, descreveu.
Um dado preocupante revelado é que muitas delas afirmam preferir apanhar de um único homem do que apanhar de vários na rua. “Esse discurso não pode ser naturalizado, pois ele mata!”, lamentou Monaliza, para quem o Estado, por sua omissão, acaba se tornando feminicida.
Rede de apoio ajuda mulher a romper o silêncio
Ana Paula Loureiro Balbino, chefe da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) destacou que os órgãos e entidades voltados a essa causa tem que dar as mãos às mulheres, oferecendo o suporte necessáio as que são vítimas de violência. “Não basta que as mulheres saibam seus direitos, elas precisam de acolhimento. E a Deam oferece isso, com atendimento multidisciplinar e humanizado, 24 horas por dia”, divulgou.
Ela sugere que, se a mulher não conseguir acesso a essa delegacia, deve romper com o silêncio, ligando para a Polícia, no número 190: “A Lei maria da Penha tem 13 anos e sabemos dos desafios para cumpri-la. Este trabalho conjunto, em rede, é que vai propiciar que isso aconteça”.
A psicóloga Tatiane Carvalho Maia, diretora do programa Mediação de Conflitos, do Tribunal de Justiça, divulgou que em 2019, foram registrados 10.962 casos de ameaças às mulheres. O programa atua em 16 municípios mineiros, com 50 unidades de prevenção a criminalidade. “O que preocupa não são só as mulheres que acessaram esses equipamentos de proteção, mas as que não conseguem sair do ciclo de violência”, enfatizou.
Indígenas – Avelin Bunicá Kambiwá, socióloga indígena, lamentou que os governos de Belo Horizonte e do Estado não tem políticas públicas para as mulheres indígenas e migrantes. Ela defendeu a criação de um centro de referencia indígena, como forma de aglutinar ações para esse público e de disseminar seu conhecimento ancestral.
Ocupações – Nilce Helena de Paula, coordenadora da ocupação Vitória, na região da Isidora, disse que, à frente dessa e de outras ocupações, estão mulheres. “Elas são humilhadas por não serem contempladas no atendimento a um direito básico, que é de uma moradia”, lamentou.
Maria Isabel Siqueira, da Rede Mineira de Enfrentamento à Violência, declarou que essa instância vai usar todos seus recursos para reverter esse quadro desfavorável. “É também fundamental neste momento a luta contra a ameaça que as conquistas da Constituição Federal e a democracia vem sofrendo. Nós, mulheres, gritamos sem medo: sairemos às ruas na defesa da democracia”.
Rede – Alinhavando todas as intervenções durante a reunião, a deputada Andreia de Jesus (Psol), presidente da comissão, elogiou a atuação das participantes e defendeu a atuação em rede para que se quebre o ciclo de violência contra a mulher. E colocou seu gabinete à disposição, que atua de forma conjunta com os mandatos de outras políticas do Psol: a vereadora de Belo Horizonte Bela Gonçalves e a deputada federal Áurea Carolina, sob a denominação Gabinetona.
Já a ex-presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), defendeu que as mulheres sejam cada vez mais protagonistas e ocupem todos os espaços possíveis, nas ruas e nos parlamentos.
Durante o evento, houve apresentações culturais enfocando temáticas femininas, especialmente da violência contra a mulher. Participaram os grupos: Slan Poesia Marginal, formado por jovens de Resende costa (Central); Grupo de Teatro Morro Encena, da Capital; e ainda, uma intervenção cultural com histórias de orixás femininos.
Foto: Willian Dias
Fonte: ALMG