Pagar ou não pagar os boletos de mensalidades escolares que continuam chegando mesmo após a suspensão das aulas em razão da pandemia de coronavírus?
Eis a questão que domina as conversas nos grupos de WhatsApp de pais de alunos da rede privada de Minas Gerais desde 18 de março. A data marca o início da vigência do decreto do governador Romeu Zema (Novo), que confinou em casa, por tempo indeterminado, 1.154.419 estudantes matriculados em 4.292 instituições de ensino particulares do estado – dados do Censo Escolar 2018.
Inseguras diante das incertezas da economia, ou mesmo irritadas pelo acúmulo das funções antes desempenhadas pela escola, famílias mineiras já reivindicam cancelamentos de contratos, descontos e interrupção da cobrança de mensalidades. O principal argumento dos consumidores é de que a ausência dos alunos nas unidades proporcionou às empresas significativa queda nos custos, uma vez que as atividades são, agora, desempenhadas a distância.
Dirigentes de empresas de educação, por sua vez, recorrem sobretudo à Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro nessa quarta-feira (1°), que suspendeu a obrigatoriedade de escolas e universidades de oferecer, este ano, a quantidade mínima de 200 dias letivos estipulada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A carga horária total de 800 horas/aula, no entanto, foi mantida. Na prática, isso significa que as escolas estão liberadas a cumprir as horas aulas determinadas pela legislação em menos dias.
Em meio a guerra pela sobrevivência, órgãos de defesa do consumidor tentam estabelecer alguma mediação, visando proteger o bolso da clientela, ao mesmo tempo em que evita o colapso no caixa das empresas.
Nota técnica
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi a primeira a se manifestar sobre o tema. No último domingo (26), o órgão emitiu uma nota técnica recomendando que os consumidores evitem cancelar ou pedir descontos ou reembolso total ou parcial em mensalidades de instituições de ensino que tiveram as aulas suspensas por conta da pandemia de COVID-19.
Segundo o documento, que orienta os Procons do Brasil, não há motivo plausível para que o cliente solicite qualquer tipo de ressarcimento nos casos em que a instituições se disponham a oferecer o serviço interrompido posteriormente, por meio de aulas presenciais, ou pela oferta de aulas online, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação.
“O pagamento é parte da obrigação contratual assumida pelos responsáveis e é condição para que os alunos tenham direito à reposição”, diz o comunicado.
Fora dessas hipóteses, a secretaria propõe que se esgotem todas as tentativas de negociação antes do rompimento contratual. O parecer da Senacon admite, inclusive, a possibilidade de o cliente pagar multa em caso de cancelamentos e inadimplência.
Em Minas, diante das consultas e reclamações que começam a ser registradas, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG) encaminhou uma recomendação ao Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Minas Gerais (SINEP-MG). O ofício aconselha os empreendimentos educacionais que “mantenham os contratos firmados com os alunos de forma pactuada utilizando os meios disponíveis de ensino a distância, de modo a garantir o acesso aos ensinos fundamental, médio e superior, além de conciliar os interesses de fornecedores e consumidores”
O promotor de justiça de defesa do consumidor de Belo Horizonte, Paulo de Tarso Morais Filho, ressalta que o momento econômico é especialmente delicado e exige ponderação dos dois lados da mesa de negociação.
“Normalmente, os órgãos de defesa do consumidor entendem que o cliente é a parte mais frágil da relação. Ocorre que, neste período complicado em que vivemos, o empresário – sobretudo o pequeno – também ficou vulnerável. Cancelamentos em massa de contratos e/ou suspensões simultâneas de mensalidades poderiam provocar uma quebradeira geral, com nefastas consequências. Logo, nossa principal orientação, nesse momento, é a cautela. Precisamos, em primeiro lugar, salvar o ano letivo dos alunos”, argumenta o especialista.
Morais avalia que, no caso das instituições em que há oferta de aulas a distância, não há, de fato, justificativa para a suspensão dos pagamentos, pois os alunos continuam usufruindo dos serviços. “Ainda que haja alguma interrupção das atividades, o consumidor deve lembrar que o valor cobrado pela empresa é uma anuidade diluída em 12 prestações ao longo do ano. Então, se ela cumpre com a carga horária exigida pelas autoridades, ainda que em menos dias letivos, não há descumprimento do contrato”, explica.
O promotor lembra, no entanto, que a crise imposta pelo surto viral também afeta a renda das famílias, já que muitos trabalhadores podem experimentar desemprego ou redução de salários. “Nesse ponto, eu discordo plenamente da Senacon, que admite a possibilidade de o cliente pagar multa em caso de cancelamento do contrato ou inadimplemento. Do meu ponto de vista, deve haver uma negociação entre as partes. O ideal é que elas entrem num acordo de modo a onerar o mínimo possível os dois lados – sobretudo o consumidor que, ao perder o emprego ou ter a renda cortada, torna-se parte ainda mais frágil da relação comercial”, defende.
Educação infantil
O cenário dos pais com filhos matriculados em institutos de educação infantil apresenta peculiaridades. Nesses estabelecimentos, afinal, os serviços foram completamente paralisados, sem possibilidade de oferta de aulas a distância.
“Pago um valor superior a 2 mil reais para a escola do meu filho de 3 anos, que inclui uma taxa de alimentação. Agora que ele passa 24 horas por dia em casa, por que devo continuar arcando com as cobranças? Eu e outras mães já acionamos a direção para saber como essa situação vai ficar. Afinal, o custo de vida subiu e a minha renda deve cair nos próximos meses”, pondera a arquiteta Ana Lopes ao Estado de Minas. Ela faz parte de um grupo de WhatsApp que reúne cerca de 30 pais de alunos que frequentam uma instituição infantil tradicional de Belo Horizonte.
Para casos como esse, o promotor Paulo de Tarso orienta as escolas que chamem os pais para conversar e estabeleçam propostas razoáveis. “Para evitar o cancelamento dos contratos, eu diria que seria viável, por exemplo, pegar as mensalidades cobradas nos meses em que as aulas ficaram suspensas e oferecer um desconto nesse mesmo valor, diluído nos meses restantes do ano. Ainda essa semana, conversaremos com as entidades representativas de escolas privadas sobre essas questões”, diz.
O problema é que não sabemos até quanto essa situação vai durar. Se fossem 15 dias, um mês, estava fácil de resolver. O grande problema é a incerteza. Mas é com ela que temos que lidar no momento”, completa.
* Fonte: Estado de Minas