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A recuperação dos endividados é necessária ao crescimento da economia

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Brasileiros renegociam dívidas, mas convivem com juros elevados com a intimidade de quem convive com as maiores taxas do mundo (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 30/3/16)

Os números são impressionantes: o Brasil alcançou o duvidoso campeonato mundial do endividamento, com cerca de 70 milhões de brasileiros com nome negativado

O último dado do comportamento da economia brasileira, pelo levantamento periódico do IBGE, traz novidade para os pessimistas: uma recuperação imprevista por todos que apostavam que a atividade produtiva não sairia de um desempenho próximo da estagnação, pouco acima de zero de crescimento em 2023. Havia razões para não se esperar grande coisa da economia, uma delas o papagaio empinado dos juros mais elevados do planeta. Mas os consumidores brasileiros reagiram com a intimidade que têm diante dos juros estratosféricos, preferindo encarar mais uma rodada de elevado endividamento. Com informações de Estado de Minas.

Os números são impressionantes: o Brasil alcançou o duvidoso campeonato mundial do endividamento ruinoso, com cerca de 70 milhões de brasileiros com nome negativado. O brasileiro passou batido pelo recado dos juros na lua. A atitude típica do consumidor local diante do desafio do custo dos produtos que almeja adquirir é o de se perguntar se a prestação do cartão cabe no seu gasto mensal. Com um agravante: ele vai em frente e toma a dívida mesmo que a soma de todas as compras já incorridas represente prestações que ultrapassem o orçamento mensal.

A recuperação da economia é embalada por dinheiro de plástico e uma fé cega do consumidor em dias melhores. E haja dinheiro de plástico. A emissão de cartões vem crescendo de modo explosivo. Em poucos anos – da COVID-19 para cá – a emissão de cartões de débito e crédito virou uma festa: saltou de cerca de 90 milhões para mais de 200 milhões. Os bancos – especialmente os mais novos na praça – saíram despejando emissão de cartões sem a mínima discriminação de risco de crédito, no afã de angariar novos “clientes” supostamente fidelizados pelo privilégio de serem incluídos no mundo das compras sem desembolso imediato. Tudo no plástico, o que acrescenta uma natureza mística e entorpecente ao ato de comprar sem pagar nada.

Embalados nessa ilusão de acesso, lá se foram milhões de brasileiros, aflitos por superar a sensação de prisão e de perda deixada pela recessão da COVID. A representatividade do cartão de crédito no valor do consumo das famílias brasileiras passa de 40%, enquanto, por comparação, na Colômbia e no México a penetração do cartão fica em 8% e 6%, respectivamente. Mais chocante é comparar com países de renda alta e muito consumo, como os EUA e Inglaterra, onde as participações são só de 28% e 14%.

Até aí ainda seria aceitável considerar que nós somos fascinados por novidades tecnológicas e propensos a adotar tudo que facilita a vida moderna. O sucesso do PIX como novo meio de pagamento ratifica esse interesse do brasileiro por conveniências pois a ferramenta do PIX põe o Brasil na dianteira mundial em uso de instrumentos avançados de pagamentos. Contudo, não é aceitável nem pode ser tolerado o que resulta da relação comercial entre, de um lado, o usuário dos cartões e vouchers de alimentação, e de outro, a extensa cadeia de intermediários – entre bandeiras de cartões, bancos emissores do plástico e concedentes do crédito, as “maquininhas” facilitadoras da transação de compra e, finalmente, o próprio varejista, interessado em que o consumidor compre muito e pague depois.

A conveniência do cartão se tornou o inferno do endividado na hora de honrar suas múltiplas obrigações acumuladas. Não é tolerável essa situação de inadimplemento generalizado pela simples razão de que ela nasce de um descumprimento elementar de missão do sistema bancário, que é avaliar os riscos de crédito dos que buscam dinheiro a prazo em suas redes físicas ou virtuais. Atrair incautos e deslumbrados pelo mundo do consumo para os converter em devedores de uma dívida infinita, certamente não qualifica o Brasil como nação que cuida da educação financeira dos seus habitantes.

Para escândalo e vergonha nossos, as taxas cobradas na partida da relação de crédito beiram os 15% ao mês, podendo chegar, quando anualizadas, aos píncaros dos 700% a 800%. São taxas “para ninguém pagar”. Ademais existe um nefasto “subsídio cruzado”, nome técnico que não explica direito porque se cobra exageradamente de bons devedores, pontuais e confiáveis, sob a rala alegação de que o buraco financeiro dos bancos com os maus pagadores deixa “pouca margem de ganho” para os financiadores da roleta russa do crédito pessoal.

Estamos numa descida ao inferno financeiro. Quem menos pode contribuir para desativar essa bomba atômica de dívidas são o Congresso e os políticos, trazendo como alternativa a falsa solução de “proibir e punir”, como no recente episódio da proibição do rotativo (o famigerado primeiro mês de rolagem dos cartões, com taxas escandalosas) ou, ainda, a cogitada proibição do “parcelado sem juros” que, de errado tem o nome, pois na economia da vida real não existe qualquer transação que não envolva algum custo financeiro (ou seja, o juro está sempre lá). É preciso mais seriedade e efetividade no disciplinamento desse mercado de pagamentos.

A recuperação da economia brasileira, neste momento, está grandemente atrelada ao “pendura” dos cartões. As partes envolvidas, incluindo o varejo – supermercados e outros – devem se sentar numa mesa com os bancos e donos de maquininhas para estabelecer uma convergência radical das taxas cobradas no Brasil e a cessação das práticas predatórias sobre o nosso consumidor. Para tanto, a tarefa indelegável dessa concertação de rumos é do Banco Central, única instituição com seriedade, meios técnicos e competência legal para agir, antes que o castelo dos cartões venha abaixo, levando junto a tão aguardada retomada da economia.

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