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A MÁGICA DE NARCISO

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Narciso estava com medo e fechou os olhos. Logo uma prazerosa sensação de bem estar aos poucos lhe acalmava a alma, trazendo-lhe paz de espírito.

Sujeito pacato era boa pessoa do tipo que se ocupava, apenas, com a própria vida. Mesmo que esta fosse medíocre e às vezes ridiculamente monótona.

Narciso tinha lá seus problemas e o principal deles era justamente o de fechar os olhos. Quando alguma coisa lhe trazia aborrecimento, por exemplo, era só fechar os olhos e pronto. Tudo se resolvia desta forma.

E assim vivia Narciso, para ele tinha uma lógica em conduzir a sua vida desta maneira. Era uma forma de se vingar daqueles que não o enxergam, que fizeram dele mais um número numa destas tantas estatísticas que só quem tem muito de dinheiro ou é político profissional gosta de usar.

Certo dia, na volta do trabalho, Narciso viu um mais miserável que ele na rua. Um sujeito barbudo, cabeludo, com fedor de urina e que não se sabia se era negro por raça ou por falta de um bom banho.

Este sujeito brigava com os seus iguais para saber quem ficaria com os trocados do bobão que acabava de estacionar o carro. Para garantir a esperteza do grupo e afogar qualquer lampejo de dignidade eles dividiam uma garrafa com cachaça.

Ao se aproximar, e já demonstrando certa inquietação, Narciso fechou os olhos e mais uma vez o problema desapareceu como se fosse por mágica.

Porém, ao abrir novamente os olhos, e para sua surpresa, percebeu que o sujeito barbudo e cabeludo o olhava fixamente. A princípio ficou irritado. Que audácia desse moço, pensava Narciso, era para ele ter desaparecido.

A irritação aos poucos levou Narciso à reflexão e o fez perceber que o olhar daquele homem se assemelhava ao olhar de um cão de rua que faminto fica a beira do caminho a espera não de afago ou qualquer outro tipo de carinho, mas de alguma migalha que lhe preencha a barriga fazia.

Narciso se sentiu mal com este tipo de pensamento e descobriu que daquele momento em diante acabará de perder o único poder que julgava o distinguir das outras pessoas. Ele já não mais conseguia fechar os olhos e fazer com que os problemas da vida sumissem.

Aquele miserável e seus amigos lhe roubaram este direito e ainda fizeram cair nele uma maldição: o de andar sempre com os olhos bem abertos e de se sentir mal. Narciso deixou de ser pacato.

  • Rodrigo Dias

jornalistarodrigodias@bol.com.br

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