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Sarau Literário

A chuva de Santo Antônio

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  • Por Prof. Reinaldo Santos

Pelos meados da década de 1950, houve uma medonha seca pelas regiões profundas de Minas Gerais, narrava o Agenor. Contava-se para mais de 6 meses sem sequer uma chuva molha-bobo. O vento levantava a poeira fazendo caracóis que tocavam os céus. As margens do velho rio Piranga trincavam à medida que suas águas regrediam. Ao andar pelas estradas de terra, via-se a paisagem ao longe tremer diante das vistas devido ao calor incomum para uma região cercada de verde e nascentes.

Embora escassos, a fazendo do seu Nico era a que mais gerava empregos, e a que mais sentia tais efeitos, pois não havendo possibilidade de preparar a terra para plantio, também não se contratava. Seu proprietário era, não sem motivo, devoto de Santo Antônio, padroeiro de sua cidade.      Segundo Agenor, sua fé foi testada quando, por motivo da finalização da nova Matriz do santo, alguns paroquianos o procuraram para pedir a doação de uma árvore frondosa, e de boa madeira, que ficava na entrada de sua fazenda para que dela fossem feitos os bancos da nova igreja. Como era de se imaginar, tal pedido foi de pronto negado. Mas após uma noite de ventania, a árvore amanheceu no chão. Dela foram feitos todos os bancos da igreja. Sobre a base dessa árvore foi feita uma pequena gruta com a imagem de Santo Antônio.

Pois bem, a história de Nico e Antônio viriam a se cruzar novamente por virtude da citada estiagem. O fazendeiro, de grandes posses e de bom coração, não se contentava com a ausência do trabalho que poderia ser ofertado dentro de suas terras, nem mesmo com a falta do verde na paisagem e os animais com costelas visíveis marchando tristes pelos pastos secos.

Fiel, dentro da matriz, após uma missa matinal de domingo, conversava com Santo Antônio, ajoelhado em um dos bancos originados de sua antiga árvore. Em pensamento, pedia ao santo com todo coração que enviasse chuva, embasava os motivos do pedido, deixava claro que não era apenas em causa própria que advogava. Ao final da oração-conversa, prometeu dar a Antônio a quantia generosa de M$ 150,00 (Cento e Cinquenta Mirreis). Saiu da matriz e dias se passaram.

E nesses dias aconteceu algo. Fato que, devido às baixas condições sanitárias, fracas campanhas de imunização, pouco acompanhamento pré-natal, era comum acontecimento nos confins do Brasil. Havia falecido uma criança logo após o nascimento. Por lá, eles chamavam de anjos, existiam até mesmo espaços separados para sepultarem os anjinhos. Embora comum, a comoção era única em toda a região. Como de costume, foi lá também o Nico. Ao ver o anjinho, lembrou-se da promessa ao Santo. Embora houvesse prometido, ainda não sabia como pagar a quantia proposta.

Disfarçadamente, mexeu nos bolsos, encontrou M$ 200,00 (Duzentos Mirreis). Aproximou-se do pequeno caixão, estando sozinho, tocou o pequeno corpo e rezou. Sem que alguém visse, enfiou o dinheiro por dentro do caixãozinho, ao lado do braço da criança: “Diga a Santo Antônio que esse é o valor prometido. Lembre-o que tenho troco de M$ 50,00”. Virou-se, colocando o chapéu, tomou o cavalo e foi-se. Novamente os dias se passaram.

Se passaram. E choveu. Choveu forte nas terras de Nico. Choveu em toda a região. A poeira, depois de deixar seu cheiro, foi lavada, no lugar dela veio o barro nas estradas, o verde começou a pintar novamente as vistas pelos campos. As nascentes novamente jorravam, os pássaros festejavam e o velho Piranga novamente ficou pleno. A felicidade havia retornado.

E como deveria, o tempo continuou a passar. Passava e trazer consigo a chuva sem parar. Era para mais de 23 dias com a chuva em um ritmo constante. O rio que estava seco, agora havia desaparecido por ter avançado sobre os campos de feijão, formando somente uma linha de água no horizonte e já se aproximava das casas. Os currais dos animais precisaram ser trocados para partes mais altas. Nas estradas nem os carros de bois andavam mais. Algumas delas estavam intransponíveis por quedas de barrancos.

A preocupação voltara à cabeça do fazendeiro, agora por motivo diverso. O medo de as cheias continuarem o tomava por completo, quase não dormia e passava o tempo analisando os perigos, socorrendo animais e controlando os níveis das águas.

Com medo, durante o pouco que dormiu, lhe aparecera em sonho, um homem branco com vestimenta marrom, carregava nos braços uma criança, tinha o mesmo rosto do anjinho que vira em um caixão. Aproximou-se o homem e disse em tom claro:

_ O troco de M$ 50,00 que devo, vou mandar tudo em chuva.

Os que estavam dentro da casa, contavam que Nico acordou Gritando:

_ Não quero troco, pelo amor de Deus! Era brincadeira. Pode ficar com tudo.

Certamente foi por um acaso, mas a chuva cessou naquele exato momento.

  • REINALDO SANTOS é Gerente Comercial, Professor de Língua Portuguesa e Literaturas

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