golpe

A cada 10 minutos, um brasileiro é vítima do golpe do empréstimo consignado

Publicado

em

Há mais de quatro anos, a aposentada Celina Santos aguarda finalização de processo movido contra um banco — Foto: Fred Magno / O Tempo

Aposentados e pensionistas são as principais vítimas de golpes, muitas vezes realizados por funcionários de instituições financeiras

Se você é um aposentado ou pensionista, possivelmente já teve de lidar com uma movimentação estranha na conta bancária, se deparando com um dinheiro não esperado na conta ou com um débito que surgiu de forma surpreendente. Se a resposta for positiva, saiba que não está sozinho. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), no ano passado os Procons brasileiros registraram 57.824 casos do que ficou conhecido como golpe do empréstimo consignado. Ou seja, a cada dez minutos um cidadão (normalmente, com mais de 60 anos) é vítima de estelionato provocado por golpistas ou, até, por funcionários de instituições financeiras.

Esse golpe é aplicado de diferentes formas. Há casos em que os estelionatários pegam dados vazados dos aposentados e forjam empréstimos consignados não solicitados, mas existem também aqueles em que um funcionário de instituição financeira induz o idoso a assumir um compromisso que não condiz com o seu desejo. Essencialmente, trata-se de um empréstimo realizado à revelia do contratante do serviço.

A contadora aposentada Celina Santos, 63, foi uma das vítimas. Em julho de 2019, ela percebeu que havia caído uma quantia de R$ 2.000 em sua conta, sem que soubesse a natureza do depósito. Celina descobriu que a transferência havia sido feita pelo banco BMG e, prontamente, entrou em contato com a instituição para dizer que não havia solicitado o empréstimo e pedir o cancelamento do procedimento.

O banco respondeu que poderia desfazer a transação, mas cobraria juros. “Eu não concordei com os termos, achei um absurdo. O banco disse que eu havia pedido o empréstimo através de um cartão que eu nunca solicitei ou recebi. Imediatamente, procurei o Juizado de Pequenas Causas”, relata Celina.

Sem conseguir sucesso na primeira investida na Justiça, Celina decidiu fazer uma denúncia no Procon da Assembleia e registrar um boletim de ocorrência. Foi quando verificou que seria melhor contratar um advogado para comprovar que a assinatura apresentada pelo banco não era dela. E, enquanto o tempo passava, as parcelas do empréstimo indesejável continuavam sendo debitadas de sua conta. “É um absurdo. Você sofre o golpe e o ônus da prova depende de você”.

Uma perícia grafotécnica demonstrou que a assinatura do contrato de empréstimo não era de Celina e o banco foi condenado a devolver o valor pago por ela, além de uma indenização de R$ 5.000 por danos morais, que a aposentada considera muito baixa para compensar todo o incômodo sofrido por anos. A reportagem entrou em contato com o banco BMG e aguarda um retorno.

“O golpe do consignado é, lamentavelmente, o mais comum hoje, com toda essa questão de vazamento de dados, pois os bancos ganham a licitação (para deter as contas das aposentadorias) e acabam tendo acesso à folha de pagamento para efetuar o depósito para os beneficiários”, afirma Ione Amorim, coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec. “O banco é uma empresa como qualquer outra e deveria ter compromisso com os princípios éticos na forma como oferece seus produtos”.

Segundo Ione, a abordagem feita por correspondentes bancários acaba constrangendo a pessoa ou induzindo ao erro sobre o que está sendo proposto a ela. “É nesse diálogo, muito bem trabalhado, que o funcionário do banco passa uma certa confiança e vai induzindo o idoso a contratar um empréstimo sem a solicitação dele, por mais que nós tenhamos discutido isso nos últimos anos e até usado mais a tecnologia para tentar evitar os golpes”.

Procurada pela reportagem para explicar o que faz para evitar golpes envolvendo instituições bancárias, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que ela e os bancos “investem constantemente e de maneira massiva em campanhas e ações de conscientização em seus canais de comunicação com os clientes para orientar a população a se prevenir de fraudes”.

E ainda segundo a Febraban, além da realização de campanhas educativas, os bancos investem “cerca de R$ 3,5 bilhões por ano em sistemas de tecnologia da informação (TI) voltados para segurança – valor que corresponde a cerca de 10% dos gastos totais do setor com TI”.

Muitos casos vão para a Justiça

Quando o aposentado ou pensionista não consegue conversar com o banco que fez o empréstimo não solicitado ou com o Instituto Nacional do Serviço Social (INSS), ele deve fazer um registro na Polícia Civil (popularmente chamado de boletim de ocorrência) e em órgãos competentes. No Procon da Assembleia, reclamantes e empresas são chamadas para conversar em audiência de conciliação.

“A gente notifica o banco para que ele apresente o contrato devidamente assinado pela pessoa. Muitas vezes é um caso irregular, mas em outras o próprio aposentado contraiu o empréstimo e não se lembrava”, explica Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia.

Segundo ele, é fundamental que todo aposentado tenha o costume de olhar o contracheque de forma frequente. “O idoso não costuma ter o hábito de conferir o extrato do INSS e o extrato bancário, o que ele deveria fazer todo mês. Isso porque às vezes ele não tem só um empréstimo, tem três, quatro ou cinco. Então muitas vezes um que ele não solicitou passa despercebido e a pessoa vai descobrir após vários meses ou até um ano depois, quando já houve vários descontos na conta bancária”.

O número de vítimas é tão grande que alguns advogados estão se especializando em atender vítimas de empréstimos consignados. Como o advogado Felipe Salomão, que tem se deparado com muitos casos de contratos fraudados dentro das instituições financeiras e, por isso, difíceis de serem resolvidos no Juizado de Pequenas Causas.

Segundo ele, muitas vezes o correspondente bancário liga oferecendo um refinanciamento de empréstimo já feito e acaba fazendo um contrato diferente do que foi acordado ao telefone. “O maior erro é enviar selfie e foto de documento quando solicitado. Sempre que tiver dúvida sobre um eventual crédito a receber do INSS procure uma agência mais próxima. Caso queira realizar um refinanciamento procure uma agência bancária ou um correspondente bancário de sua cidade e confiança. Evite fazer empréstimo pelo telefone”, alerta o advogado.

Salomão lembra que a vítima de uma fraude em um empréstimo pode conseguir o cancelamento do contrato, a devolução em dobro das parcelas descontadas e uma indenização por danos morais. “Na maioria dos casos, a Justiça tem amparado o consumidor. Porém é importante buscar informações com um profissional especializado e evitar acessar a justiça sozinho, mesmo sabendo que é possível. Sem orientação jurídica, o consumidor acaba sendo presa fácil para os advogados do banco”, argumenta Salomão.

Políticas públicas

Para se ter uma ideia de como esse assunto merece a atenção de agentes públicos, atualmente, cerca de 17 milhões de aposentados e pensionistas têm crédito consignado – um tipo de empréstimo atraente, por ter taxas menores de juros porque as parcelas são descontadas diretamente na folha de pagamento ou no contracheque. Somente no mês de abril, um milhão de pessoas solicitaram esse tipo de empréstimo, segundo o INSS.

O secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, afirma que houve um aumento considerável de denúncias feitas ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) referente ao golpe do empréstimo consignado.

Frente a isso, a secretaria tem buscado interlocução com diferentes agentes para reduzir o número de casos de idosos que contratam empréstimos sem o conhecimento adequado. “A gente tem feito um movimento dentro e fora do Governo. Conversamos com diferentes pastas, como o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério da Comunicação e o Banco do Brasil, como também com entidades como a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Também criamos um Grupo de Trabalho para ver o que está acontecendo e entender a engenharia do golpe, para chamar as pessoas para dialogar”, diz o secretário.

Silva explica ainda que a violência patrimonial vivenciada pelos idosos não vem apenas das instituições financeiras, mas também de familiares, advogados e membros de grupos religiosos.

INSS só faz a operação

A contratação de qualquer empréstimo é uma transação comercial privada, realizada exclusivamente entre a pessoa e a instituição financeira e, por isso, de acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cabe a ele apenas a operacionalização dos pagamentos e descontos.

Ainda segundo o INSS, para que o segurado possa realizar esse tipo de operação, ele precisa desbloquear seu benefício para empréstimos, por meio de aplicativo, telefone ou usando a conta Gov.br. Caso o beneficiário identifique empréstimos não solicitados em seu benefício, a reclamação deve ser registrada no portal www.consumidor.gov.br, mantido pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça. “Cabe à Senacon determinar o cancelamento do empréstimo”, diz o INSS.

Mesmo que o INSS não possa ser responsabilizado pelos golpes, o secretário nacional da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, explica que a secretaria tem buscado um diálogo com a instituição para minimizar os danos. “Neste mês, tivemos uma conversa sobre uma cooperação técnica com o INSS em que estava presente o ministro Carlos Lupi (ministro da Previdência Social)”, afirma.

Marcelo Barbosa, do Procon Assembleia, acredita que poderia ser interessante o INSS participar do processo de prevenção aos golpes. “O INSS recebe comandos. Pena que ele não tem o rigor de entrar em contato com o segurado antes de começar a descontar as parcelas de um empréstimo consignado. Eles não verificam, já vão descontando. Então quando essa pessoa descobre, muitas vezes já teve quatro ou cinco descontos na conta”.

À reportagem de O Tempo, o INSS afirma que “segue atento a essas situações e está sempre disponível para orientar e auxiliar o cidadão, além de revisar constantemente suas normas para coibir qualquer prática abusiva”.

Cobranças de sindicatos e associações

Além das cobranças de empréstimos não solicitados, muitas vezes os aposentados se deparam com cobranças de mensalidades de sindicatos, associações e entidades que prometem representar a categoria.

O advogado Felipe Salomão relata que muitos de seus clientes tiveram de lidar com o problema. “Tenho um cliente que estava com uma cobrança de R$ 66 por mês e não sabia de onde era. Quando fomos ver, era uma associação de Sergipe, que não prestava qualquer serviço para ele”, conta.

Sêmia Abboud, 64, que é conselheira do Conselho Municipal do Idoso (CMI), relata que não é difícil encontrar casos de aposentados que se deparam com descontos suspeitos no contracheque. E relata o caso de uma pessoa da sua família, já falecida. “Descontavam R$ 58 da aposentadoria dela todo mês referente a um seguro e não conseguíamos descobrir o que era. Depois que ela morreu, verificamos que os familiares iriam receber R$ 2.400 ou R$ 2,15 por mês durante 15 anos”, relata.

E não era só isso. “Havia ainda uma cobrança de R$ 152 todo mês para uma associação que nunca encontramos. Tivemos que desligar o telefone fixo da casa dela, com medo de que ela fosse vítima de outros golpes”, conclui.

Mas isso não quer dizer que todas as associações existem para aplicar golpes. Muitas delas oferecem serviços aos associados. Tonia Galleti, do Departamento Jurídico do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), explica que a adesão à entidade é feita de forma que seja segura para ambas as partes. “Quando a adesão ao sindicato é feita pela internet, a gente utiliza a foto digital. A pessoa faz uma biometria facial que é checada nos órgãos públicos, tudo da forma mais segura possível para evitar fraudes e problemas para a pessoa e para a gente”.

Segundo Tonia, o pedido de desfiliação pode ser feito a qualquer momento, mas as mensalidades já debitadas não são devolvidas. “Somos uma associação séria, existimos há 23 anos e temos trabalhos no Brasil inteiro por todo esse período. Nós temos mais de 400 mil associados, imagina se todos eles resolvem se desfiliar amanhã e pegar de volta tudo o que pagaram? Não tem como, pois esse dinheiro não está em aplicações financeiras, está sendo aplicado no próprio associado. A gente inaugura em janeiro um hotel em Praia Grande (SP), nós temos colônia de férias, temos mais 25 sedes próprias. Enfim, esse dinheiro é aplicado na própria instituição e nos associados. Não há nenhuma ilegalidade”.

Ela explica ainda que o sindicato auxilia os associados em casos de golpe do empréstimo consignado. “Quando recebemos essas demandas, a gente analisa o caso e orienta o que eles podem fazer. Em muitas situações a gente notifica o banco e às vezes entramos na Justiça. A gente percebeu um aumento bastante expressivo desses golpes neste ano e também no ano passado”.

Como saber se é uma vítima do golpe do consignado

COMO ACESSAR O EXTRATO DE BENEFÍCIO

  • A consulta do extrato do INSS pode ser realizada pelo site do INSS (https://meu.inss.gov.br/).
  • Basta acessar “serviços” e em seguida “Extrato de pagamento de benefícios”.
  • Se existir algum contrato de empréstimo consignado vigente, ele constará nesse extrato.

SE HOUVER UM DÉBITO DE EMPRÉSTIMO

  • Veja qual instituição financeira é responsável pelo contrato, questione a instituição, anote todos os protocolos de atendimento (nome do atendente, dia e hora da ligação).
  • Peça o cancelamento imediato do contrato, a suspensão dos descontos e o estorno da integralidade das parcelas pagas.
  • Faça um registro de ocorrência policial

SE CAIR UM CRÉDITO NÃO SOLICITADO NA CONTA-CORRENTE

  • Faça contato com o banco e questione quem depositou o valor.
  • Se for um empréstimo consignado não solicitado, informe à instituição responsável pelo contrato e peça o cancelamento imediato do contrato e a suspensão imediata dos descontos das parcelas. Anote os protocolos de atendimento.
  • Peça o estorno da integralidade das parcelas descontadas e forneça o número de uma conta-corrente.

NÃO CAIA EM ARMADILHAS

  • O INSS não liga ou envia e-mail para os segurados para pedir documentos, fotos, ou informações pessoais. Cuidado, pode ser golpe!
  • Recebeu mensagem por aplicativo de alguém se dizendo servidor do INSS? Bloqueie. O instituto não faz esse tipo de contato.
  • O INSS somente entra em contato com os segurados nos casos de: remarcação de atendimento, concessão/negativa de benefício, comparecimento à Agência da Previdência Social (APS), e para cumprimento de exigência. Mesmo assim, o servidor informa os dados, não pede ao segurado.
  • Na saída do banco tenha cuidado com abordagem de terceiros com oferta de crédito fácil. Pode ser golpe.
  • Todo serviço do INSS pode ser feito pelo site ou aplicativo Meu INSS, que utiliza a plataforma Gov.br. Caso apareça outro “atalho” pela internet, desconfie.
  • Não forneça nome completo, CPF, cópia de documentos, comprovante de renda ou de endereço para desconhecidos. Seus dados são valiosos e em mãos erradas pode causar dor de cabeça.
  • O INSS não utiliza intermediários para concessão de benefícios ou pede depósito adiantado para liberação de recursos financeiros.

Fonte: INSS via O Tempo

Tendência

Sair da versão mobile