Nova Serrana
No mês da mulher a violência ainda é um problema social a ser superado
“No ano de 2021 foram 140 inquéritos policiais instaurados e 32 APFD (procedimento realizado quando o crime ocorre em flagrante); além disso, foram solicitadas 354 medidas protetivas em Nova Serrana”
Durante todo o mês de março, se fala e se trata sobre a mulher e seu valor na sociedade. Postagens são feitas em redes sociais, todo o brilho da mulher e sua importância no desenvolvimento de cada pessoa são enaltecidos. Contudo, aparentemente os olhos se fecham, para grande parte da população que não enxerga literalmente as chagas causadas pela violência.
Não somos abertamente uma sociedade que é constituída por castas, mas de fato a forma como a mulher é exposta à violência deve, não somente em março, mas durante todo o ano ser tratado como prioridade quando o assunto é segurança e desenvolvimento social.
Este Popular, ciente deste cenário, onde as flores (mulheres) são literalmente feridas pelos homens, pelos seus companheiros, por aqueles que estão ao seu redor. Traz nesta edição uma entrevista exclusiva com a delegada Dra Thais Santos Duarte, que desde 2021 assumiu a Delegacia da Mulher e vem atando no combate e enfrentamento da violência contra a mulher em Nova Serrana. Confira.
Olá Dra. Thais há quanto tempo está atuando em Nova Serrana?
Iniciei minha atuação em maio de 2021, entretanto, assumi a delegacia de mulheres a partir de julho de 2021.
Doutora, atualmente é grande a incidência de casos de violência contra a mulher em Nova Serrana?
Infelizmente é recorrente os casos de violência doméstica contra a mulher no Município. No ano de 2021 foram 140 inquéritos policiais instaurados e 32 APFD (procedimento realizado quando o crime ocorre em flagrante). Além disso, foram solicitadas 354 medidas protetivas. Considerando o período que estou à frente da delegacia de mulheres são enviados em média 10 a 15 pedidos de medidas protetivas por semana. Entretanto, só na segunda-feira (28/03) foram solicitadas cinco medidas protetivas, um número altíssimo, sendo alguns deles relacionados a casos graves de lesão corporal que ocorreram no fim de semana desencadeando um pedido de prisão referente a um desses casos.
A quantidade de ocorrências poderia ser maior; ou seja, existem ainda muitos casos que não são relatados às autoridades?
Sem dúvida! Apesar de notarmos que as mulheres veem com o passar dos anos buscando cada vez mais o auxílio da polícia e de toda a rede de assistência, ainda há um elevado índice de subnotificação. É preciso ter a consciência que por trás de cada investigação existe uma vida, uma história, uma mulher que está em situação de violência, sendo tão importante a celeridade na investigação. Em conjunto com toda equipe que trabalha na delegacia de mulheres de Nova Serrana, foi realizado no mês de fevereiro um mutirão na delegacia sendo enviado em torno de 100 inquéritos relatados para a justiça a fim de que possamos atender o máximo de mulheres.
Por muito tempo as mulheres tiveram medo de denunciar os abusos e agressões; isso tem mudado?
A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema complexo, que atinge vítimas de toda classe econômica, idade, raça, cor, grau de escolaridade, estado civil e religião. As mulheres que sofrem com essa violência não falam sobre o problema por um misto de sentimentos como vergonha, medo, constrangimento. Notamos ainda que o medo em denunciar decorre também de uma cultura machista e baseada no patriarcado o que dificulta a percepção da mulher que está vivendo um ciclo de violência. E os agressores, por sua vez, não raro constroem uma autoimagem de parceiros perfeitos, dificultando a revelação da violência pela mulher.
Você citou a questão do parceiro que se mostra ser perfeito, para que as mulheres possam identificar com maior propriedade, como começam esses abusos?
Em princípio esses abusos começam com controle excessivo, palavras machistas e às vezes é visto como algo normal. Isso já é uma violência e ela vai aumentando até chegar às violências mais graves ocasionando em alguns casos o crime de feminicídio. Esses casos sempre ocorreram e agora as mulheres estão tendo consciência do tão grave é esse crime.
Atualmente, com maior divulgação dos direitos das mulheres e as campanhas realizadas por toda a rede que fornece suporte às vítimas, notamos que elas estão buscando cada vez mais apoio. Entretanto, ainda que as mulheres tenham conquistado consideráveis avanços políticos e sociais, ainda é fundamental debater sobre o tema, visando à construção de políticas públicas cada vez mais eficientes e o envolvimento da sociedade na luta pelos direitos da mulher.
A polícia realiza todos os anos diversas campanhas com o objetivo de conscientizar e prevenir quanto aos crimes de violência doméstica e familiar. Ressalta-se entre eles as campanhas realizas no mês de março sendo realizadas diversas palestras, bem como a campanha do agosto lilás que é o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher.
Além disso, a Policia Civil de Minas Gerais disponibiliza um manual básico de enfrentamento da violência, bem como cartilhas explicativas que podem ser obtidas gratuitamente e por qualquer pessoa na delegacia de atendimento à mulher.
Quais os principais abusos sofridos e denunciados pelas mulheres em Nova Serrana?
Verifica-se que várias mulheres não conseguem identificar que são vitimas de violência, assim é imprescindível que a todo o momento se fale desses crimes e que todas saibam que a Lei prevê cinco tipos de violência contra a mulher.
Violência física: quando o homem bate ou espanca, empurra, atira objetos, morde ou puxa cabelo; Violência psicológica: quando xinga, humilha, ameaça, diminui a autoestima, tenta controlar tudo o que ela faz; Violência sexual: quando a mulher é obrigada a manter relações sexuais, não deixa a mulher se prevenir de uma gravidez ou a obriga a fazer um aborto; Violência patrimonial: quando controla os seus bens, retém dinheiro dela, destrói bens; Violência moral: faz comentários ofensivos, humilha publicamente.
Lamentavelmente verificamos na cidade a ocorrência de todos esses tipos de violência e muitas vezes ocorrem por mais de uma forma sendo comum a prática de crimes de lesão corporal e ameaça, por exemplo, sendo assim, verificado a violência física e a psicológica.
Hoje a mulher que denuncia a violência tem mecanismos que lhe dão amparo; quais são eles?
A Lei 11.340/06 traz diversos mecanismos de assistência à vitima. Entre eles a solicitação de medidas protetivas de urgência que buscam a proteção da mulher em situação de violência no ambiente familiar, afetivo e doméstico. Essas medidas podem ser de diversos tipos como: aproximação da ofendida, fixando limite de distância, contato com a ofendida por qualquer meio de comunicação, afastamento do lar, frequentar determinados locais. Ressalte-se ainda que o descumprimento da medida protetiva de urgência é crime e pode levar o agressor a prisão em flagrante sem direito, inclusive, a fiança. Assim, sempre que a vítima tiver uma medida protetiva deferida e ocorrer o descumprimento ela deve informar imediatamente a policia.
Como as denúncias devem ser feitas?
É muito simples realizar o registro e ele pode ser feito de diversas formas. A vítima ou qualquer outra pessoa que tenha conhecimento que está ocorrendo um crime, poderá ir à delegacia especializada em atendimento à mulher ou a qualquer delegacia de polícia civil de Minas Gerais e realizar o boletim de ocorrência. Ele pode ser feito inclusive em local diverso de onde ocorreu o crime. Poderá ser feito também em qualquer unidade da Polícia Militar de Minas Gerais ou ligando 190 em casos urgentes. Existe também a opção de denúncia pelo disque 180, pelo APP MG MULHER ou até mesmo pela delegacia virtual delegaciavirtual.sids.mg.gov.br (para ocorrências de lesão corporal, vias de fato, ameaça e descumprimento de medida protetiva).
Quais os serviços que são ofertados pela delegacia da mulher em Nova Serrana?
Na delegacia a mulher em situação de violência poderá:
– Solicitar medidas protetivas de urgência;
– Solicitar acompanhamento até o endereço informado para que ela possa retirar seus pertences em segurança;
– Receber a guia de exame de corpo de delito;
– Solicitar encaminhamento para casas abrigo;
– Realizar a representação criminal para a devida responsabilização do agressor;
– Ser encaminhada para serviços de atendimento psicossocial.
A pergunta pode parecer retórica, mas existe solução para a violência contra a mulher?
Quando a vítima busca o auxilio da Polícia Civil geralmente é quando o crime já ocorreu. Deste modo, trabalhamos após o cometimento do delito investigando e fornecendo elementos de informações para o oferecimento da denúncia pela promotoria. No entanto, é primordial que evitemos a prática da infração penal. São necessários esforços conjuntos por parte de toda a população, dos órgãos de segurança pública e os de assistência como a Casa Mais Mulher que desempenha um magnífico trabalho na cidade de Nova Serrana, do Ministério Público que também não mede esforços no combate a esses crimes, sendo exemplo o Grupo Reflexivo para os homens agressores. Ademais, é de suma importância o papel da própria vítima nessa luta, pois cabe a ela quebrar esse ciclo de violência e dar um basta.
Considerações finais.
Gostaria de deixar alguns dados que são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Brasil é o quinto pais do mundo com o maior número de feminicídios. Em 2021, uma a cada quatro mulheres acima de 16 anos sofreu algum tipo de agressão. Um total de quase 17 milhões de vitimas de violência física, psicológica e sexual. 8 mulheres agredidas fisicamente por minuto durante a pandemia. Sete em cada 10 casos o autor era conhecido e metade dos casos ocorreu dentro de casa.
Por isso, falo agora para todas as mulheres que não se sintam sozinhas na luta contra a violência. O compromisso de protegê-las é de todos nós.
SE VOCÊ ESTÁ PASSANDO POR ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA OU CONHECE UMA MULHER QUE ESTEJA, DENUNCIE! A polícia civil estará sempre presente para atendê-las.