Justiça
Recepcionista que negou tirar tranças afro a mando da chefe vai receber indenização de R$ 30 mil
Uma mulher negra que trabalhava como recepcionista numa clínica médica em Nova Lima, Minas Gerais, ouviu da própria coordenadora que suas tranças afro não se enquadravam no padrão estético de “boa imagem institucional” que a empresa exigia.
Por se recusar a remover as tranças a mando da gestão e mesmo depois de sofrer mais constrangimentos — dessa vez, pela consultora de moda da clínica —, a mulher foi demitida sem justa causa. Meses depois, a ex-funcionária ganhou na Justiça o direito de ser indenizada por danos morais no valor de R$ 30 mil.
A decisão foi do juiz Henrique Macedo de Oliveira, da 2ª Vara do Trabalho de Nova Lima. Na análise do processo, o magistrado teve acesso a ligações telefônicas feitas pela consultora de moda à ex-recepcionista. Nas chamadas, dentre outras frases, a consultora disse:
“A pessoa pode ter o estilo que ela quiser, mas, a partir do momento que ela tem um trabalho e o trabalho dela tem o dress code corporativo formal, ela precisa se enquadrar nisso ou então não tem como ela trabalhar”.
A consultora chegou a comparar a trança afro da ex-funcionária ao uso de um uniforme.
“Quando te dou a opção de se enquadrar no dress code da minha empresa, te dou uniforme, não te dou? Da mesma forma, eu vou mandar uma pessoa aí para te ensinar como que o seu cabelo tem que tá adequado para o dress code corporativo da empresa”.
Decisão embasada
Citando vários autores em sua sentença, o juiz Henrique Macedo comentou a força simbólica dos cabelos para a identidade negra e para os povos de origem africana. E, a partir disso, concluiu não ser válida a alegação de que o uso das tranças seria incompatível com a formalidade do ambiente de trabalho.
“O tratamento dado ao tema pela empregadora parte de um raciocínio reducionista e que carrega uma visão muito distorcida da nossa sociedade, tão plural quanto complexa em sua identidade. A conduta da primeira reclamada (coordenadora da clínica), assim, contribuiu para um processo de silenciamento e invisibilidade dos signos que se articulam em torno da afirmação da pessoa negra, com o qual o Poder Judiciário, cujo papel contramajoritário desafia uma resposta firme em busca da concretização dos direitos fundamentais em sua conformação mais ampla, não pode compactuar”, escreveu o magistrado.
Racismo institucional
Na decisão, o juiz ressaltou ainda a dificuldade em combater o racismo institucional, embora seja uma prática comum. Escreveu:
“A reclamada (coordenadora) negou a conduta preconceituosa, afirmou em diversas passagens da defesa o seu bom relacionamento com a autora (ex-funcionária), tendo, inclusive, apresentado várias postagens em redes sociais que explicitariam a excelente convivência, mas, quando afrontada pela identidade visual da trabalhadora, que decidiu valer-se de um recurso estético que reforçava sua identidade negra, a empregadora entendeu que a imagem da demandante não mais se adequava ao ambiente organizacional e dispensou-a”.
Pandemia
Tanto a clínica médica quanto a consultora de moda citadas no processo alegaram que a ex-recepcionista foi demitida em razão da pandemia de Covid-19 e não por ser vítima de tratamento discriminatório.
Embora reconheça que os reflexos econômicos da pandemia podem ter levado a empresa a reduzir o já enxuto quadro de pessoal, o juiz responsável pelo caso concluiu que “está claro que a escolha pela dispensada autora teve ao menos como concausa a recusa em modificar o visual”. Isso porque a demissão dela ocorreu seis dias após o telefonema com a consultora.
Fonte: Diário do Nordeste
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